EU QUERO SER CACHORRO, SIM –

Fazendo uma retrospectiva de décadas passadas sobre como viviam e eram tratados os nossos estimados cães, o juízo mexe, aflora e lembra que muita coisa mudou e avançou no trato com esses nossos fiéis e doces amigos.

Vem recordações de épocas passadas do meu pai, que sempre gostou de criar e ter um fiel escudeiro – um cachorro “vira lata” – na nossa casa. Não esqueço jamais do nome de um deles: “Duque”, que morreu ao atravessar a Avenida Rio Branco, quando foi atropelado por um automóvel em alta velocidade. Já era velhinho.

Os cães daquela época não tinham os requintes e nem as mordomias dos glamorosos e internacionais cãezinhos de hoje.

Tinham, os vira-latas, uma “inteligência” incomum; eram dóceis e de fácil criação. Não usavam de “frescuras”; comiam tudo que dessem, de preferência as sobras do almoço e do jantar, de agrado maior, o osso ainda com um pouquinho de carne para exercitarem e afiarem os seus dentes. Não tomavam banho, só se molhavam quando chovia, assim mesmo, quando não conseguia se livrar logo do incômodo da água. Tosar, nem pensar. Coisa do outro mundo.

Possuidores de um sistema imunológico forte e super resistente, que os afastavam de todas e quaisquer doenças. Vacinação: um sonho, uma loucura. Vacinar um vira-lata era o mesmo que assinar o seu atestado de óbito. Vez por outra, eram visitados por umas pulguinhas e uns carrapadinhos que logo, logo empestavam e incomodavam todos de casa. Coisa simples: “tiravam de letra”, “saiam na urina”.

Hoje, tudo mudou, inovou e sofisticou. Vieram os estrangeiros. De raças estranhas e de nomes mais esquisitos ainda. São os cachorrinhos das finas madames, das “locomotivas” do jet set potiguar. Não são baratos, custam uma nota preta e considerados produtos de importação.

São moradores e habitantes notáveis de alto luxo; sejam em casas ou em apartamentos. Na sua maioria de pequeno porte. Sem falar nos valentes cães de grande porte: os de guarda.

Recebem atenção e tratamentos super, hiper e ultra vips, nas PETS (Clínicas Especializadas): suprimentos alimentares importados e apropriados para cada tipo de raça; banhos, tosas e escovas perfumadas semanais; cartão de vacinação rigorosamente em dia. Dentes escovados e tratamento de tártaros periódicos. Hidroterapia; consultas com psicólogos;  as vestimentas são as mais sofisticadas: fraldas, laços bordados e cravejados com finas joias, camisolas, colchões e camas especiais;  e por aí segue a burguesia canina.

As PETS se multiplicaram de forma muito rápida. Estão espalhadas por toda cidade e faturando os tubos; somente concorrendo na ponta com a proliferação exagerada das farmácias, dos fast foods e  do picolés de Caicó nas praias.

São verdadeiros Hospitais-Hotéis, bem estruturados, modernos, com apoio para internamentos; laboratórios para exames de sangue, urina e modernos equipamentos para exames de imagens. Centros cirúrgicos bem equipados e profissionais bem qualificados.

Diante desse luxuoso e encantador cenário, arriscaria o cantor e compositor baiano de Brejinho das Ametistas Waldik Soriano (1933-2008), quando compôs (1972) o seu grande sucesso, em nominá-lo de: EU NÃO SOU CACHORRO, NÃO, ou ficaria com: EU QUERO SER CACHORRO, SIM?

Berilo de Castro – Médico e Escritor –  [email protected]

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