1984 É AQUI –
Mal ponho os pés em Londres e deparo com uma manchete do “The Guardian” que me deixou intrigado. A polícia aqui tem um plano para instalar câmeras de vigilância pelo céu do Reino Unido a fim de, pelo menos oficialmente, monitorar comportamentos antissociais de motoristas, imigração ilegal a partir do continente, protestos, pequenos furtos e outras cositas mais. É o desenvolvimento de uma tecnologia que foi militarmente utilizada no Afeganistão, a partir de câmeras e sensores instalados em veículos aéreos não pilotados. Esses veículos, quando em funcionamento, deverão ter uma autonomia de cerca de quinze horas e voar a mais de seis mil metros de altura, portanto, invisíveis do chão. Segundo o “The Guardian”, o sistema deve ser testado ainda este ano, e espera-se que esteja operacional a tempo para os Jogos Olímpicos de 2012, em Londres.
Bom, uma espécie de vigilância a la “Big Brother”, numa referência ao clássico romance “1984”, de George Orwell (1903-1950), em que a propaganda do “Partido” sempre lembrava o “Big Brother is watching you”. Preocupação com as liberdades civis, nenhuma ou muito pouca. Refiro-me a essas coisas que lutamos tanto para conquistar e que nos devem ser tão caras: direito à privacidade, intimidade, de reunião… Mas também, por aqui, vivemos tempos de terrorismo, alegam os entusiastas do factível Big Brother. Aliás, por aqui, para tais medidas, é sempre tempo de terrorismo, não obstante, em matéria na mesma página, o Ministro do Interior inglês (Home Secretary) categoricamente afirme que não há qualquer circunstância que sugira um ataque terrorista iminente.
Por falar em George Orwell e seu “1984”, é incrível como a realidade, muitas vezes, imita a arte, mesmo em se tratando “1984” de uma distopia à maneira de “A Brave New World”, de Aldous Huxley (1894-1963), reconhecidamente uma das grandes influências na obra de George Orwell. “1984” nos mostra o cenário de uma sociedade totalitária futura, sob a dominação do “Partido”, em um mundo pós-guerra nuclear total. O protagonista, Winston Smith, vive em “Oceania”, um dos três super-estados existentes na estória. Com esse pano de fundo e o desenrolar da “vida” de Winston – seu trabalho no “Ministério da Verdade” (reescrevendo o passado à maneira do “Partido”), seu romance ilícito com Julia, sua rebelião contra o “Partido”, prisão e tortura –, Orwel nos apresenta um ambiente de total monitoramento, no qual sempre lembra o “Partido”, “Big Brother is watching you”. Winston pensa estar a salvo das câmeras na alcova do seu quarto, onde ele acredita, ao menos no que toca aos seus pensamentos, teria sua intimidade preservada. Ele estava enganado.
Fiquei pensando em como funcionaria um Big Brother verdadeiro no Brasil. E não estou falando do programa Big Brother, do nosso principal canal de televisão, que fique claro.
Para nossa sorte, nosso Big Brother verdadeiro talvez parecesse mais com “Brazil” – entre nós traduzido como “Brazil, O Filme”, também uma distopia, mas em forma de comédia, em que, confusamente, as coisas não funcionam direito. Baseado em “1984” de George Orwell, dirigido por Terry Gilliam (do grupo britânico Monty Python) e estrelado por Jonathan Pryce, o filme, sob o fundo musical de Aquarela do Brasil (do grande Ari Barroso) – a única referência explícita ao nosso País – comicamente retrata uma sociedade do futuro caracterizada pela sacralização, sem sentido, de costumes e valores modernos, além de, comicamente também, criticar o absurdo da sua burocracia autoritária e ineficiente.
Afinal, se não for o caso de o Big Brother Brasil (o verdadeiro; não o programa de televisão, repito) imitar “Brazil, O Filme”, como ficarão os nossos carnavais, carnatais (e agora, também, carnaparrachos), folias de rua, futebol e outras estripulias, com seus xingamentos, beijinhos, amassos e outras traquinagens mais?
Por via das dúvidas, para os mais traquinos (ou traquinas, para ser politicamente correto), recomendo começar, desde já, uma coleção de grandes e belos chapéus de palha ou, então, pode pegar o seu boné.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP
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