A ALFACE OU ALFACE? –
O meu nível de ansiedade estava extrapolando os limites da normalidade. Aí já viu, não é? Pensei em relaxar “beliscando” pães e patês, baião de dois misturado com feijão verde, buchada ou mesmo uma boa pizza italiana. É, eu sei, essa misturada toda dá uma sensação de prazer momentâneo e, infelizmente, um aumento considerável na balança. Ainda bem que tenho uma consciência que me chama aos carretéis sempre que eu desvio dos meus objetivos. Dessa vez não foi diferente. Fiquei só na vontade, então parti para o plano B.
Dei-me conta que, dentre as hortaliças e legumes armazenados na gaveta da geladeira, faltava a alface. Logo ela que tanto embeleza a salada e tem um baixo teor calórico: 100 gramas de alface correspondem a 11 Kcal. Dava para eu me esbanjar comendo alface sem peso na consciência. Corri ao supermercado. Na seção de frutas e legumes procurei a parte das alfaces, confesso que fiquei triste ao perceber que as hortaliças estavam um pouco murchas, amontoadas umas por cima das outras, envoltas naqueles sufocantes sacos plásticos. Mesmo assim, busquei um pacote de Lactuca Sativa (termo latino que significa “alface cultivada”) que melhor se apresentasse a mim, que estivesse menos machucada.
Em casa, guardei a alface na geladeira e fui cuidar nos preparativos corriqueiros do dia. Acho que se passaram uns dois dias até que eu me lembrasse de fazer a salada, ou melhor, de começar a dieta.
Era um dia de sábado. Depois do café da manhã, resolvi que faria uma salada bem colorida, com arroz integral e frango grelhado para o almoço. Mais uma vez, ao abrir a gaveta da geladeira, bateu-me uma enorme tristeza ao ver que as alfaces perdiam gradualmente suas cores, seus brilhos. Elas estavam morrendo, murchas e minguadas; dobravam-se desfalecidas. Eu precisava tentar salvar algumas, separar as sem vida das quase mortas.
Na pia da cozinha, em uma bacia plástica com água, coloquei o molho de alface e fui tirando folha por folha, separando-as do talo. Depois, em água corrente, lavei uma de cada vez, fazendo carinho e afagando, como em busca de perdão, por deixá-las pior do que estavam nas prateleiras do supermercado. Deixei-as num escorredor de inox, postas na posição vertical, para escorrer a água que as banharam. Eu não estava confiante que a salada ficaria colorida e apetitosa, se dependesse daquelas pobres folhas descoloridas e arrasadas pelos maus tratos sofridos, desde a sua colheita no campo, até os dias de descaso na minha geladeira.
Cuidei em fazer o arroz. Depois de mais ou menos uma hora, retornei à bancada da pia da cozinha, para verificar se as alfaces já tinham passado dessa para melhor.
Valha-me Deus! O impossível aconteceu.
Macacos me mordam! Belisquem-me! As alfaces ressuscitaram!
Tomaram a vida para si, tomaram gosto e encheram-se de vigor e brilho. Juro que nenhuma interjeição seria capaz de expressar, em palavras, o tamanho da minha surpresa e admiração diante daquela cena inusitada.
Se com as alfaces, seres isentos de sentimentos, deu certo o cuidado e o zelo, nos momentos cruciais de suas vidas, estou aqui a imaginar, com os meus botões, o bem que podemos fazer aos nossos semelhantes, em momentos difíceis de suas vidas, oferecendo o ombro amigo, uma palavra de conforto. Um abraço, um carinho, um olhar amigo.
Creio, sim, que um gesto de compaixão e de amor ao próximo pode salvar vidas. Basta que vejamos, com os olhos da alma, as alfaces murchas nos canteiros da nossa estrada, regando-as com as águas da compreensão e do amor.
Agora, juro com a minha palavra, sem cruzar os dedos, que vi juventude e felicidade nos olhos da alface. Não há preço sentir que podemos provocar no outro momento de pura e deliciosa felicidade.
Bom, deem-me licença, preciso almoçar as minhas alfaces, lindas de viver e de comer, antes que elas murchem e morram sem o privilégio de terem me ajudado no retorno à dieta.
Alface, sua linda! Venha, que hoje eu vou lhe devorar.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora