A AMIZADE PERFEITA
Sempre desejei escrever uma crônica sobre a amizade. Quase desisti por achar que nada mais havia a aditar depois da leitura do magnífico ensaio sobre o tema, publicado pelo Pe. Ednaldo Virgílio da Cruz, mestre em Teologia Bíblica da Arquidiocese de Natal. O clérigo embasa a sua linha de raciocínio no livro Ética a Nicômaco – Livro VIII – Amizade, de autoria do filósofo grego Aristóteles.
Segundo Aristóteles, a amizade está entre as mais altas virtudes. É elemento essencial à felicidade e ao pleno florescer da vida. Existem três tipos de amizade: a fundamentada no prazer recíproco da companhia (amizade de prazer); a que se apoia na utilidade da associação (amizade de utilidade); e, a última, decorrente da admiração mútua (amizade de virtude).
De acordo com a discussão clássica de Aristóteles, quem baseia a amizade na utilidade não possui amizade verdadeira um pelo outro, porque o sentimento tem amparo no quanto de benefícios pode-se obter. A amizade cujo motivo é o prazer decorre da afeição por pessoas de graciosidade fácil. Não em virtude do caráter, mas porque lhes são agradáveis. Portanto, amizades circunstanciais.
A perfeita amizade é a que aflora entre aqueles que são bons e cuja similaridade consiste no comprazimento, pois estes desejam o bem do outro de maneira semelhante, nada fortuitamente. Não são corriqueiras amizades dessa natureza, haja vista pessoas desse feitio serem raras.
Confiança e reciprocidade são o que se depreende do ensinamento aristotélico como fundamento para a amizade perfeita. Elege-se o amigo verdadeiro como fiel depositário de seus queixumes, de suas desilusões, de seus anseios e até de suas fraquezas e medos.
Espera-se do amigo verdadeiro a correspondência de atitudes e procedimentos, mesmo em situações constrangedoras. Ao verdadeiro amigo se admoesta em particular, porém, diante de outrem toma-se o seu partido.
Diz a sabedoria popular que se conhece o caráter de uma pessoa em três circunstâncias: no jogo, no convívio em viagem ou quando se lhe empresta dinheiro.
Já entre amigos, me arrisco a dizer, que se manifesta ou não a sinceridade da amizade, diante de atitudes nas seguintes situações: quando desaba o padrão social de um deles, quando ao amigo se recorre em difícil situação financeira, e, diante do dilema de assumir postura de apoio ou defesa em favor do amigo, se em jogo estiverem interesses próprios.
A amizade verdadeira não se constrói do dia para a noite. Depende do conhecimento acumulado com a convivência de ambos, das boas ou más experiências enfrentadas e dos laços de confiança decorrentes de manifestações e atitudes de respeito, compreensão, bondade, tolerância e solidariedade. A verdadeira amizade “deve ser guardada no peito perto do coração”, como sugere a cantiga popular.
Amigo é aquele que, mesmo distante, está sempre conosco. A amizade mais profunda e verdadeira pode ser arranhada por um motivo aparentemente fútil. Porém, se essa ferida deixar cicatriz, tal qual as das feridas do corpo, nem o tempo nem a distância apagarão a nódoa. Daí a sabedoria popular afirmar ser mais fácil perdoar um inimigo, que a um amigo verdadeiro que nos feriu a alma.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor
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