A ARMA –
Quem se arma para se defender não é o mendigo, mas sim alguém que possui alguma coisa de valor, e quer preservar.
Tal qual a Abelha, que usa o ferrão para se defender, o homem também precisa saber defender a si e à sua família.
Certa vez, uma Mosca se encontrava quieta, pousada em um cortina de uma casa de Homem. De repente, uma Abelha, para encurtar a rota, entrou zumbindo na casa e ficou voando em redor da Mosca.
Era um pequeno inseto quase redondo, o corpo colorido de um azul brilhante e húmido, e que não tinha por hábito , jamais, passar por aqueles lugares. Ao vê-la deter-se no seu voo, a Mosca deu uma ligeira volta e foi sentar-se à pequena distância.
Mostrando-se descontraída, com modos de quem queria puxar conversa, mas sem dar muita confiança, a Mosca deu bom dia à Abelha e perguntou-lhe se também era uma Mosca.
Com arrogância, o inseto respondeu que era uma Abelha e vivia das flores. Por isso não poderia jamais ser confundida com uma Mosca.
A Mosca, ressentida com a resposta grosseira, respondeu que se a Abelha fosse uma Mosca igual a ela, não seria desonra. Muito pelo contrário, passando de Abelha a Mosca, ela somente lucraria com a transformação, pois sabia que as abelhas trabalham o dia todo, para sustentar as companheiras que ficam em casa, além de andar armada com um ferrão, para enfrentar as brigas. Enquanto ela, não trabalhava e quando acordava, a comida do dia já estava pronta. Não sustentava ninguém, pois na família das Moscas, cada uma cuida de si. Não andam armadas e diante de um ataque, elas fogem. Por isso, não precisava trabalhar.
A Abelha, com desdém, perguntou à Mosca se era vantagem, ao acordar a comida já estar pronta. Sabia que Isso só ocorria porque a comida de que ela se alimentava era podre, pois o almoço da Mosca é no monturo. A Abelha disse à Mosca que ela tinha o que merecia, pois quem não trabalha vive da podridão.
A Mosca respondeu que não trabalhava para ela, nem se sacrificava pelos outros, ao que a Abelha revidou, dizendo não invejar aquela felicidade. Se ela não prestava favores aos outros, também ninguém os faria a ela, e que a Mosca era bem diferente da Abelha e da Formiga, que sempre ajudam quando alguma delas precisa.
Debochada, a Mosca respondeu que aquilo era o progresso e que a sua espécie era companheira do Homem; vivia na casa dele e é com ele que tem aprendido essas regras de sabedoria.
A Abelha, indignada, respondeu que é por isso mesmo que não queria a companhia do Homem. Quando ele muda o cortiço dela para as proximidades da sua casa, ela fica no mesmo local, mas todos os dias vai para o mato, jardins, chácaras, e vida livre. Disse que não era como a Mosca, que se metia nas casas, pousava no nariz das pessoas, comia sobejos, e ficava na cozinha, rodeando os pratos sujos e a lata do lixo. Finalmente, disse que amava a vida independente e as coisas simples da natureza.
Indignada, a Mosca, que se dizia pacifista, perguntou à Abelha, por que razão, então, se ela levava uma vida tão boa e livre, andava armada com um ferrão.
A Abelha achou graça e respondeu que somente quem não tem o que defender, não se arma. E repetiu que a Mosca, certamente, não andava armada, porque não tinha nada para defender, para guardar nem preservar contra os inimigos.
Perguntou se a Mosca tinha casa, filhos, alguma propriedade, e de que se sustentava. A Mosca respondeu que não tinha casa, e filhos, os que ela paria deixava-os no monturo e ia embora; não tinha nenhuma propriedade. Dormia onde a noite a apanhava e vivia do que encontrava pelo caminho. Sustentava-se daquilo que ninguém queria mais.
Pensativa, a Mosca disse para a Abelha, que, se ela levava uma vida tão feliz, não precisava de um ferrão. E se não queria o que os outros tem de bom, nem ninguém queria o que ela tinha, de nada lhe servia um ferrão.
A resposta da Abelha foi que a arma serve para defender quem possui alguma coisa a preservar. Quem nada tem, não precisa de arma ou ferrão. Quem se arma para a defesa, não é o mendigo, mais sim o o que possui alguma coisa de bom.
Dando de ombros para a Mosca, a Abelha disse-lhe: É por isso que eu ando armada..
Esse é o único ponto em que estão de acordo a sabedoria das Abelhas e a sabedoria das Nações.
E, levantando voo, a Abelha, alegre e ligeira, tomou o caminho do seu cortiço.
Violante Pimentel – Escritora