A BIBLIOTECA DA BIG APPLE (II) –
No artigo da semana passada, ressaltei aqui a história e as qualidades estéticas da sede principal da “New York Public Library”, batizada de “Edifício Stephen A. Schwarzman”, que fica, como sabemos, no número 476 da granfina 5ª Avenue (metrô 5ª Avenue ou 42ª Street/Bryant Park). No estilo “beaux-arts”, tombado pelo governo dos Estados Unidos da América como “National Historic Landmark”, o garboso edifício é um dos mais representativos marcos arquitetônicos novaiorquinos.
Entretanto, a “New York Public Library” não é só história e belezura.
Ela é uma instituição viva que funciona muitíssimo bem.
Antes de mais nada, a “New York Public Library”, a exemplo de outras grandes livrarias mundo afora (como a “British Library” e a “Biblioteca Nacional de España”, em Londres e Madrid, respectivamente), funciona como um excelente museu. Estão lá, para a nossa apreciação, desde belíssimas iluminuras com mais de mil anos ao original do discurso de despedida do Presidente George Washington (1732-1799), passando pela primeira Bíblia de Gutemberg (1398-1468) que chegou aos Estados Unidos da América, entre outras preciosidades. Do balacobaco é a coleção de mapas da “NYPL”, que se afirma, e não tenho porque duvidar disso, uma das maiores do mundo. E isso sem falar nas amostras e exposições temporárias, como uma sobre Alexander Hamilton (1757-1804), nela chamado de “Striver, Statesman, Scoundrel”, que coincidiu com a minha última estada por lá, coisa de outubro do ano passado. Essa exposição, aliás, até me interessava. Mas como ela era, tirando pelo título, depreciativa ao heroico “founding father”, morto em duelo, confesso que, de birra, a boicotei.
Em segundo lugar, embora gigante (seu acervo é contado em mais de uma dúzia de milhões de títulos, percorrendo os mais variados temas) e visitada por mais de 10 milhões de leitores anualmente (profissionais e diletantes, ilustres e anônimos), a “New York Public Library” é muito funcional.
Nesse ponto, talvez a grande sacada dos seus idealizadores tenha sido projetar a sala de leitura principal no último andar e os seus muitos quilômetros de estantes espalhados pelos andares mais abaixo. Como registram os autores de “A biblioteca: uma história mundial” (Edições Sesc, 2016, e cujo título original é “The Library: a World History”), James W. P. Campbell (texto) e Will Pryce (fotografias): “do ponto de vista de um bibliotecário, isso era ideal”. Já à época, os “livros eram movidos utilizando elevadores e esteiras elétricos diretamente das estantes para as mesas na sala”, registram os mesmos autores. No mais, a sala de leitura foi posta no topo do edifício “porque seu teto podia ser alto e possuir janelas amplas que permitissem a entrada da maior quantidade de luz possível”. Hoje essa grande sala de leitura é chamada “Rose Main Reading Room” (em homenagem a Sandra Priest Rose e Frederick Phineas Rose, que financiaram sua restauração em 1998). Dividida em duas pelas escrivaninhas dos bibliotecários, originalmente na grande sala cabiam 490 leitores; hoje, 624. Coincidentemente, em outubro do ano passado (quando lá estive), a “New York Public Library” e a cidade de Nova York como um todo estavam comemorando, após mais de dois anos de uma nova reforma, ao custo de uma dúzia de milhões de dólares, a reabertura da “Rose Main Reading Room”. Precavido, até guardei uma reportagem de jornal sobre o evento, sabendo que um dia faria uso dela aqui. Lembremos, por fim, que essa é apenas uma das várias salas de leitura da “NYPY”. Existem outras, dedicadas às coleções especializadas, que, por óbvio, são mais modestas.
Na verdade, a “New York Public Library” foi idealizada, nas palavras dos autores de “A biblioteca: uma história mundial”, como “uma máquina eficiente para o armazenamento, recolhimento e reorganização dos livros”. E isso eu pude constatar pessoalmente, no que toca aos seus recursos e à sua funcionalidade quando daquele meu fatídico carnaval de 2006 em Nova York, de tristíssima figura, em que eu resolvi passar boa parte dos meus dias na “Big Apple” enfurnado, pesquisando na “New York Public Library” para o tal projeto de doutorado que eu estava então entabulando. Pelo que me lembro, trabalhei/pesquisei bastante na “Mid-Manhattan Library”, que fica no número 455 da 5ª Avenue (mais ou menos na altura da 40ª Street) e é uma das subsedes “New York Public Library”. Aberta até mais tarde se comparada com a sede principal (até coisa de 23 horas, acho), tive acesso livre, com um mínimo de burocracia (hoje é fundamental requerer um cartão temporário para pesquisador visitante). Paguei por um cartão de cópias e mandei brasa. Ainda hoje tenho umas tais “Letters” do “Chief Justice” John Marshall (1755-1835), contemporâneas ao caso “Marbury v. Madison” (1803), que não usei para coisíssima alguma.
Aqui surge um terceiro ponto que eu quero destacar: a “New York Public Library” não é só o “Edifício Stephen A. Schwarzman” da badalada 5ª Avenida. Como mão longa da instituição, são quase uma centena de pequenas sub(sedes) espalhadas pela cidade (noventa e duas, mais precisamente, quando da minha última estada por lá), a exemplo da “New Amsterdam Library” (Murray Street, nº 9), que visitei e achei bastante dedicada, com cursos e eventos literários, à comunidade local de leitores, tanto adultos como crianças. Algumas dessas “filiais”, entretanto, não são tão pequenas assim – na verdade, são enormes –, como a já referida subsede do número 455 da 5ª Avenue (que mantém interessante programação com filmes e palestras sobre livros e literatura) ou a do número 188 da Madison Avenue (esta dedicada às ciências, à indústria e aos negócios), que também visitei para poder escrever este riscado para vocês.
E isso tudo sem falar nos recursos online disponibilizados pela “New York Public Library”, para que o leitor/pesquisador possa trabalhar “fora da biblioteca”. Tive a oportunidade de xeretar o catálogo da subsede “Science, Industry and Business Library” (referida acima) e ele é fantástico. Um outro – e admirável – mundo novo.
Bom, se é para botar um único defeito na “New York Public Library”, aponto a sua lojinha do prédio principal. Achei fraca, sobretudo se comparada com a lojinha da “British Library”, sobre a qual, recordo-me bem, já tratei aqui. Mas isso pode ser só mais uma birra minha com a “NYPL”, que é realmente única, como única é a cidade que a hospeda.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP
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