A BIBLIOTECA DO BANQUEIRO –
Já referi-me a ela aqui, embora “en passant”, quando escrevi sobre “Minhas livrarias em Nova York”: a “Morgan Library & Museum”, que se acha no número 225 da Madison Avenue, na altura da 36ª Street, no bairro novaiorquino de Murray Hill (a estação de metrô mais próxima é a 33ª Street; mas a estação 34ª Street/Herald Square também serve bem). Muito pertinho do hotel em que nos hospedamos na Big Apple (o The Tuscany – A St Giles Signature Hotel”, 20 East 39th Street, que não canso de recomendar), em outubro do ano passado, desfrutamos parte de uma tarde de outono por lá.
Para quem não sabe, a história da “Morgan Library & Museum” está indissociavelmente ligada à figura do banqueiro e multimilionário John Pierpont Morgan (1837-1913). Lendário homem de negócios, J. P. Morgan também foi um grande colecionador de quase tudo (que tivesse certo valor estético-artístico, claro). “Manuscritos originais e livros raros eram sua paixão e a inclusão em sua coleção era considerada uma honra”, ressalta o “Guia Visual Folha de São Paulo – Nova York” (PubliFolha, 2007), que consultei já desconfiado da minha cansada memória. Verdade ou lenda, registra ainda o mui útil guia: “Em 1909, quando Morgan pediu a doação do manuscrito de Pudd’nhead Wilson, Mark Twain [1935-1910] respondeu: ‘Realiza-se uma das minhas maiores ambições’”. O nome Morgan hoje, claro, está até associado a gigantes do mundo financeiro, a exemplo dos “super bancos” JPMorgan Chase e Morgan Stanley.
O que hoje chamamos de “Morgan Library & Museum” foi originalmente concebido – e inaugurado em 1906 – para abrigar a biblioteca particular do tal J. P. Morgan (além dos desenhos e gravuras também colecionadas pelo banqueiro). O projeto é da famosa firma de arquitetura McKim, Mead e White (responsável por mais de uma dezena de sedes da gigante “New York Public Library”), precisamente de Charles McKim (1847-1909), e custou, à época, mais de um milhão de dólares, o que era, podem ter certeza, uma fortuna. O prédio original tem o estilo neoclássico, mais especificamente “palladiano”, estilo este criado e associado ao grande arquiteto italiano Andrea Palladio (1508-1580), mas que se fez sentir também nos EUA. O prédio é tombado, desde 1966, tanto como patrimônio histórico da cidade de Nova York quanto nacional (“National Historic Landmark”). E foi o filho do grande colecionador, John Pierpont Morgan Jr. (1867-1946), que, cumprindo o desejo do pai manifestado em testamento, tornou a Biblioteca pública em 1924.
Como o prospecto da própria Biblioteca informa, “a uma curta distância a pé da Grand Central e da Penn Station, Morgan Library & Museum começou como biblioteca privada do banqueiro John Pierpont Morgan, um dos mais proeminentes colecionadores e benfeitores culturais dos Estados Unidos da América”. Já hoje, “ mais de um século após sua fundação em 1906, a Morgan é um consagrado local para exibição de arte, literatura e música, um dos mais importantes prédios históricos de Nova York, e um lugar maravilhoso para se jantar, comprar e assistir a um concerto ou filme”. Pelo que verifiquei, abre todos os dias da semana, com exceção da segunda-feira. Em regra, desde a manhã até umas 17 ou 18 horas; no sábado vai até mais tarde, coisa de 21 horas.
A “Morgan Library & Museum”, realmente, impressiona. Hoje é um complexo de prédios com três pisos. Há jardins, um café e um “dinning room”. A entrada atual é mais moderna (de 2006, segundo li). Mas há os ambientes originais de rara beleza. A “Rotunda”, que é a entrada da biblioteca principal, é muito bela e sofisticada. O chamado “Salão Oeste”, onde seria o escritório do J. P. Morgan, idem. O “Salão Leste”, onde fica a biblioteca propriamente dita (“The Original Library”, eles chamam), com suas paredes em três estágios cobertas de alto a baixo com livros, consegue ser mais bela e refinada ainda. Lindíssimo mesmo. E este é o ponto alto para nós amantes de livros.
Mas a “Morgan Library & Museum” não é só belezura arquitetônica. Seu acervo é único. Perde-se a conta dos esboços, desenhos e gravuras de gente como Dürer, Mantegna, Da Vinci, Rafael, Michelangelo, Rembrandt, Tiepolo, Watteau, William Blake e por aí vai. Entre os belíssimos manuscritos medievais e renascentistas da enorme coleção, estão joias como os “Evangelhos de Lindau”, a “Bíblia Morgan ou dos Cruzados”, o “Morgan Beatus”, as “Horas de Catherine of Cleves” e as “Horas do Cardeal Alessandro Farnese”. Entre os livros raros, estão pelo menos três bíblias de Gutemberg, finíssimas encadernações e inúmeras primeiras edições de obras famosas da literatura universal. Por falar em literatura, são incontáveis os manuscritos de autores clássicos, do “Paraíso Perdido” de John Milton até os “Contos de Natal” de Charles Dickens, passando, como informa a website da instituição, por Walter Scott, Honoré de Balzac, Jane Austen, Charlotte Brontë, Lord Byron, Wilkie Collins, Edgar Allan Poe, John Keats e John Steinbeck. Isso sem falar em coisas de música, de gênios como Beethoven, Brahms, Chopin, Liszt, Debussy, Mozart, Schubert, Mahler e Richard Strauss.
E ela é também instituição dinâmica, com mostras e exposições temporárias para além do seu acervo permanente. E aqui abro até um parênteses: quando estivemos na “Morgan Library & Museum”, em outubro passado, estava em cartaz a exposição “Word and Image”, sobre os 500 anos das 95 teses de Martinho Lutero (1483-1546), que me chamou a atenção deveras. Coincidentemente, tendo estado agora na Alemanha, vi algo semelhante em muitas cidades deste país. Em Augsburgo, pelo que me lembro, era propaganda em todo canto. Fiquei novamente impressionado. Acho que esse Lutero me persegue.
Agora vai a minha impressão mais pessoal. A “Morgan Library & Museum” não é grande. Nada no estilo “gigantesco” da “New York Public Library”. É algo mais intimista. Não é para trabalho e pesquisas acadêmicas em geral. Longe disso. Ali toma-se um bom café, come-se razoavelmente bem. Visita-se uma exposição. Ouve-se boa música. É mais um museu de livros e coisitas mais, super refinado, cult, para se frequentar e curtir vagarosamente (se você é um “local”, claro). É possível associar-se, com contribuições anuais que vão desde 75 a 1000 dólares (neste caso, tornando-se um “conservador” da instituição”).
Por fim, uma observação: à semelhança da lojinha da “New York Public Library”, também não gostei da lojinha de livros (e coisas sobre livros) da “Morgan Library & Museum”. Embora tenha comprado algo lá (um interessante “Libraries in the Ancient World”, de Lionel Casson, Yale Universtity Press, 2002), esperava mais. Mas seria isso apenas mais uma birra minha? Será que sou exigente demais?
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP
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