A BOLA DO BRASIL –
Saudações a todos, eu sou a bola. Porém, não uma qualquer. Eu sou a bola de futebol. Vocês todos me conhecem. Talvez não conheçam a minha história, a minha idade, de onde eu venho, como cheguei até ao Brasil, hoje uma potência no esporte.
Talvez importa saber que eu tive origem nos antigos jogos de calccio italiano e fui aperfeiçoada na Inglaterra, quando uma certa atividade esportiva foi transformada no football – o “pé na bola” dos britânicos, que no Brasil é conhecido por futebol. Desde quando Charles Miller, brasileiro, filho de ingleses, voltando de uma viajem à Europa, incentivou e aperfeiçoou as regras do esporte no País, e conseguiu a simpatia dos jovens de classe alta, que adotaram a prática de chutar aquela bexiga de boi cheia de ar, em uma esfera de couro costurada à mão. Porque eu era assim, no início.
E não só a elite brasileira formou jogadores. Com a adesão e o interesse das classes mais pobres começaram a surgir aqueles que seriam no futuro os meus maiores amigos. Os mágicos que com seu malabarismo e criatividade vieram a ser os meus melhores companheiros no esporte. Dos campos de várzea, dos pátios das fábricas e das oficinas, brotavam mais hábeis e talentosos jogadores de futebol. Hoje, então, lembro-me no ar, flutuando pelo impulso de uma bicicleta, inspiração do mago Leônidas da Silva, do zelo e carinho com que era tratada por um Domingos da Guia, elegante back central, que como Zizinho, Heleno de Freitas e Ademir, chamavam-me de você. Os tempos em que minha face engraxada, o couro brilhante e costurado, desfilava em gramados precários e mal cuidados, à disposição do talento e habilidade dos antigos football–players.
O nosso jogo envolvente, influente, atraía cada vez mais adeptos e alcançava projeção continental, quando fomos convencidos de que já poderíamos conquistar o mundo. Fui, assim, posta a rolar em gramados brasileiros, encarnando a certeza de que a Copa de 1950, a primeira depois da Segunda Guerra, já era nossa. Acabei encharcada por todas as lágrimas nacionais, mormente dos jogadores, que não conseguiram impedir que a garra uruguaia nos roubasse o pretenso título, em pleno Maracanã lotado.
Meus maiores orgulhos e serviços só seriam resgatados naquela memorável campanha de 1958, na Suécia, quando o mundo conheceu um garoto que ainda não completara 18 anos e que encantava os estádios de São Paulo, jogando pelo Santos. Pelé, meu senhor e companheiro desde a sua juventude, agora servia ao futebol de todo o país, aplicando dribles e criando gols maravilhosos, enquanto o planeta era testemunha da gestação do maior jogador de todos os tempos.
Para o bem do esporte, não desfilei apenas com a magia de Pelé. Fui protagonista das peripécias da maravilhosa Seleção de 1970. Para muitos, a melhor de todas. Talvez porque eu fora muito bem usada por Tostão e Gerson, alguns dos nossos verdadeiros craques. Brilhei, também, nos pés de Garrincha, de Zico, Roberto Dinamite, Rivelino e Sócrates. Visitei muitas redes sob as ordens de chutes certeiros e mortais de Ronaldo, Ronaldinho e Romário.
Porém, hoje, se podem me desculpar, sinto-me um pouco desanimada. Talvez, porque os objetivos de uma partida de futebol mudaram muito. O jogo pelo espetáculo, pelo prazer, pela diversão, agora está distante, foi nos tempos do pito e da bexiga. Mudar, não tem problema. Renovar é normal. Atualizar, também. O que é triste, mesmo, é ver uma bola querida e bem tratada por tantos jogadores de outras épocas, ser usada nessas meras disputas de poder, força e eficiência em que foram transformados os modernos jogos de futebol.
Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais