A CHUVA –
Já faz algum tempo que, nos finais de tarde, saio a caminhar para contemplar os últimos raios de sol. Saio para minha caminhada diária, que além de me ajudar a perder uns quilinhos, de quebra, proporciona-me cenas lindas de um entardecer.
Costumo caminhar próximo a minha casa, em um lugar chamado Praça de Eventos (local destinado a abrigar eventos públicos, em datas específicas, comemorativas etc. proporcionando lazer e cultura a população Mossoroense).
Enquanto caminho observo as cores vibrantes do dia que, devagarinho, vão se escondendo lá no final do horizonte, encobrindo os últimos vestígios do Sol, que sai de cena para dar lugar ao segundo ato diário: a noite com o seu céu constelado, todos como coadjuvantes da Lua, a maior diva da noite.
Hoje, em especial, a Lua, a que mais resplandece a luz da maior estrela do dia, em fração de segundos foi encoberta por nuvens escuras. O céu pareceu mudar de cor, ao mesmo tempo em que os primeiros pingos de chuva começaram a cair, roubando a cena. As pessoas, que caminhavam na praça, correram em busca de refúgio. Eu também precisei aumentar meus passos, que já estavam acelerados, enquanto tentava visualizar um local para me proteger das águas enviadas por São Pedro; portanto, tinha que me apressar se não o castigo era ver ir por água abaixo a escova que tinha feito logo cedo no meu cabelo.
Os pingos logo deram lugar a uma chuvarada sem tamanho. Os pingos d’água, que eram fraquinhos, passaram a engrossar rapidamente. Nessa hora, os cabelos a la Farrah Fawcett (A Pantera Jill Munroe, do seriado As Panteras, da década de 70, lembram?) que tanto me esforcei para imitar, já se desfaziam, bem como os olhos de, quase gueixa, que insisto em pintar. A pintura então escorria pela face, deixando-me ser quem eu realmente era, sem subterfúgios, apenas eu, ao natural. Teria a chuva planejado tal ato?
Lembrei-me da onda do momento: postar selfies sem filtros e sem maquiagem nas redes sociais, maior moda entre famosos e anônimos. Poderia, com o meu celular, bater uma foto, enviar para o facebook e ser mais uma, anônima, a aceitar o desafio. Mas como não sou adepta a adesões em massa…
Ao sentir as gotas grossas e fortes da chuva se chocando contra meu corpo, como numa massagem afrodisíaca; ao sentir aquele líquido incolor tocar minha face e escorrer pelos meus ombros nus, me causando frissons (vestia camiseta de alças finas e short colado próprio para caminhadas, ambos da cor preta), meus pensamentos tomaram outro rumo: fui subitamente invadida por sensações prazerosas, quase como num caso de amor; fui acolhida, abraçada e amada carinhosamente, pela chuva; Senti minha alma ser lavada e meus sentimentos mais profundos serem externados.
Na altura do campeonato já não tinha mais pressa para mais nada. Queria sentir o terceiro ato daquele fim de dia. Minha face ficou imobilizada, petrificada, estava ali a imaginar e sentir a minha felicidade plena. Sabe aqueles momentos ímpares que marcam para sempre a vida de uma pessoa? O meu medo era que algum movimento mais brusco acabasse com aquele momento de puro êxtase.
A minha sorte foi que me dei conta que estava em meio a carros, gente… Sons de buzinas, pessoas conversando. Mas, que faltou muito pouco, mais pouco mesmo para eu entrar em alfa, ah isso faltou…
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora