Diz a sabedoria popular que a maior moleza que pode existir para uma pessoa, é um urubu conseguir defecar na cabeça de um vivente. Dizem que é azar “para seiscentos anos”.
Pois bem.
Zezinho pula cedo da cama e, como sempre faz, deixa-a desarrumada. Também não tira o pijama, porque não dorme de pijama; tem a péssima mania de dormir de roupa, pronto para sair. Toma um café preto e ralo e sai de casa tremendo de frio. Hoje, não calçou o Conga que recentemente achou no lixo. Preferiu os sapatos super velhos, pois já sabia o que o esperava e aonde teria que ir.
Como companhia, levou um cajado pequeno, do seu tamanho, um ou dois sacos plásticos de supermercado e um lenço que sua mãe lhe amarra ao pescoço. Em determinado momento, esse lenço vai servir para cobrir seu nariz e sua boca: há gases no lugar onde ele vai, há péssimos cheiros, há micróbios, há bactérias e outros tipos de porcaria. Era o lenço de seu pai, agora é seu, pois virou o homem da casa desde que seu velho saiu para comprar cigarro e nunca mais voltou.
A mãe grita da porta: “Não esquece de cobrir os olhos também, e não respire a fumaça que sai do chão”.
Depois de andar quase uma hora, Zezinho chega àquele monte enorme, o lixão. Percebe que está atrasado e quase não há onde fuçar.
Mais de cinquenta meninos chegaram antes dele e fuçaram primeiro; já pegaram os melhores restos, os mais frescos, aqueles que ainda serviam para comer. Mesmo assim, Zezinho cobre o rosto com o lenço, mete os pés no monturo e, com o cajado, espanta os urubus. Consegue salvar alguns restos de comida e se apressa em voltar para casa, onde a mãe o aguarda ansiosa.
Os urubus são admiráveis, pelos serviços prestados à humanidade, limpando o solo e a podridão dos animais em decomposição.
Não tem grandes dotes para canto, mas já decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haverão de se tornar grandes cantores.
Os urubus tem fama de dar azar, mas é pura superstição. O ditado “um urubu pousou na minha sorte”, é muito antigo, e faz parte da cultura popular.
Na minha terra natal, Nova-Cruz (RN), já ouvi gente dizer:
“Estou tão sem sorte, que só falta, agora, um urubu “sujar” na minha cabeça. ”
Se isto acontecer, será moleza demais!!!
Entretanto, na minha adolescência, eu e minhas amigas vibrávamos quando avistávamos um urubu em cima de alguma casa. Um urubu indicava “um gosto”; dois urubus indicavam “dois gostos”. Esse era o tempo da inocência, quando a maldade não tinha nascido. Coisa que não existe nos dias atuais.
Voando sob o céu azul, os urubus apresentam um espetáculo muito bonito: Fazem curvas suaves no espaço. Entretanto, paralelamente, mesmo com curvas suaves no voo, representam um perigo para a aviação. Eles tem sido responsáveis por inúmeros acidentes aéreos, na decolagem e no pouso, momentos críticos dos voos, conforme atestam as estatísticas. Os urubus se aproximam das turbinas dos aviões e são sugados, ou se lançam contra os vidros, como suicidas.
É impossível se cercar o ar ou erguer muralhas no espaço aéreo, pois, afinal, este pertence a todos, inclusive aos urubus.
Existem recursos técnicos, como a fumaça, que diminuiriam o perigo e afastariam os urubus. Mas, eliminá-los completamente é impossível. Outra solução seria deslocar os depósitos de lixo, das proximidades dos aeroportos, o que também é impraticável.
O homem não pode destruir o que foi feito pela natureza.
Cada animal tem a sua parcela de contribuição na preservação do meio ambiente. E a tarefa que cabe aos urubus, é sublime. É coisa divina.
Violante Pimentel – Escritora