A CORJA INTERNACIONAL –
Vivenciamos o século XXI, quando me enviam matéria panfletária do século XX, a espelhar as inovações de Clístenes, de Solon, de Dracon, do regime democrático ateniense, encontradiço nos primórdios do século V a.C., a mostrar-nos que demokratia promana de demos (povo) e de kratos (poder).
Sabiamente, Clístenes foi declarado o Pai da Democracia, então.
Sucintamente, eis a participação dos cidadãos no contexto político a enfrentar a tirania das elites, oligárquicas.
A propósito, neste período da Antiga Grécia, Heródoto – o Pai da História-, já nos ensinava:
“Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro.”
Há que se retroagir no tempo e no espaço, metrificando-se as realidades ocasionais, temporais, espaciais, confrontando-as com adventos e resultados político-administrativos societários.
Verdadeiro calidoscópio multiforme, multifário a projetar visões mil, inclusive com o apenamento do ostracismo, por um decênio, que se afigura-me uma branda vilegiatura procedimental, à época, em Atenas.
Assim, ao examinar o panfleto do editor Martins dos Santos, datado de 1924, o irresignado autor clama pelo abuso vigente da eclesia (assembleia) portuguesa, que elegeu Manuel Teixeira Gomes, como Presidente da Primeira República., a durar de 6.10.1923. a 11.12.1925.
Tempos revoltos!
A Corja, o supracitado panfleto semanal de crítica política, impresso na Travessa das Mercês, em Lisboa, mostra as entranhas da política da época, a demonstrar de forma irretorquível, cristalina, a similitude com a realidade brasileira atual, profetizada por Ruy Barbosa – a Águia de Haya, – ao sentenciar:
“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”
Em 1871, José Maria Eça de Queiroz, referindo-se à Santa Terrinha, assim se expressou, também:
“Estamos perdidos há muito tempo. O País perdeu a inteligência a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns Agiotas Felizes Exploram. A classe média abate-se, progressivamente, na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua ação fiscal com um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda parte que o País está perdido.”
Por sua vez, lapidar, também, foi Martins dos Santos, assim reverberando (ipsis literis):
“A canalha pretende que os cidadãos acreditem na justiça e nos políticos, mas todos eles nos dão razão razões de sobra para não acreditar nem respeitar nenhum deles.
1 – Como é possível que os crimes de homicídio, pedofilia e corrupção prescrevam?
2 – Como é possível que não haja uma legislação clara e rigorosa sobre o enriquecimento ilícito?
3 – Como é possível que as relações pessoais entre juízes ou entre instituições contaminem (impunemente) o funcionamento da justiça?
A impunidade da corrupção na política e na justiça traduz a ineficácia e inépcia dos juízes e MP, mas a legislação que o permite responsabiliza toda uma classe política que teima em não legislar de forma clara sobre o combate à corrupção e enriquecimento ilícito.
Insistem em alcunhar este regime de “DEMOCRACIA” quando se tem revelado ser um regime de vigaristas para vigaristas que se protegem e encobrem uns aos outros.” (A CORJA- 1924).
“Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro.” (Herédoto)
José Carlos Gentilli – Escritor, membro da Academia de Ciências de Lisboa e Presidente Perpétuo da Academia de Letras de Brasília