A ERA DOS DIREITOS –
Norberto Bobbio foi um dos mais insignes pensadores políticos do nosso tempo. Seus estudos sobre direitos humanos, desenvolvidos em mais de quarenta anos, foram reunidos numa obra intitulada “A ERA DOS DIREITOS”. Nessa obra, o Mestre de Turim delineia algumas teses fundamentais que são desenvolvidas e sustentadas à luz da experiência histórica. Em linhas gerais, o pensamento de Bobbio centra-se nas seguintes verdades:
1. Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, são direitos nascidos em certas circunstâncias, concretizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de forma gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
2. A paz é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos dos homens, em cada Estado e no sistema internacional.
3. Haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas autênticos cidadãos do mundo, daquela cidade que não tem fronteira.
4. O processo de democratização do sistema internacional não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e proteção dos direitos do homem, acima de cada Estado.
5. Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia e sem democracia, não existem condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.
6. A democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos só se tornam cidadãos quando lhe são reconhecidos alguns direitos fundamentais.
7. Os direitos do homem nascem como direitos NATURAIS universais, desenvolvem-se como direitos POSITIVOS particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos POSITIVOS UNIVERSAIS.
8. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela ONU em 10 de dezembro de 1948 contém, em germe, a síntese de um movimento dialético, que começa pela UNIVERSALIDADE ABSTRATA dos direitos naturais, transfigura-se na PARTICULARIDADE CONCRETA dos direitos positivos, e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos DIREITOS POSITIVOS UNIVERSAIS.
As idéias acima, mais do que realçar a figura do notável pensador italiano, nos leva a uma tomada de consciência da importância que tem o respeito aos direitos humanos para o aprimoramento da nossa civilização e da nossa cultura, especialmente nos dias atuais, em que a derrubada de barreiras e de muros ideológicos, considerados inexpugnáveis, parece sedimentar o caminho para a realização do ideal Kantiano da “paz perpétua”, na imaginária confederação de Estados iguais e solidários.
Não é preciso verve profética para prever que o desenvolvimento da técnica, a transformação das condições econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão produzir mudanças na organização da vida humana e das relações sociais, que criem ocasiões favoráveis para o nascimento de novas carências e, portanto, como assevera Norberto Bobbio, para novas demandas de liberdade e de poder.
O Brasil só veio a se tornar politicamente independente em 1822, ocasião em que, já na segunda fase de sua evolução histórica, começou a vivenciar os direitos humanos, influenciado pelas declarações de direitos da Virgínia e da França revolucionária.
Desde a Constituição do Império até a atual Carta Magna, nenhuma Constituição deixou ao desabrigo os direitos humanos, dedicando-lhes um título DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ou DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, consignando não apenas o reconhecimento, mas o que respeita ao modo de tornar efetivo esse reconhecimento.
Essa saga vivida pelas declarações de direitos, representa uma progressiva e irreversível ampliação de um núcleo fundamental originário, inicialmente constituído apenas de DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, chamados de primeira geração, logo ampliado, rumo a novas e intermináveis gerações de direitos humanos, as quais, na lúcida observação de Bobbio, não nascem todos de uma vez nem de uma vez por todas, mas apenas quando podem ou devem nascer, em função das sempre renovadas carências humanas.
A atual Constituição brasileira não pode ser acusada de ampliar desmedidamente os direitos individuais, para além das possibilidades de sua realização. As declarações de direitos jamais poderão ser exaustivas, nem definitivas, mas devem experimentar um constante processo de atualização, contendo novos direitos. Se em 1988, os constituintes brasileiros tivessem se limitado a copiar os textos constitucionais anteriores, ao invés de trilhar, como aconteceu, o caminho do progresso, o Brasil teria seguido na contramão da História.
Josoniel Fonsêca – Advogado e Professor Universitário, membro da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN, [email protected]