A GRAVATA, A LITURGIA E A PANDEMIA –
A gravata- adereço de vestimenta masculina-, tem origens várias, desde priscas eras até a presente data.
A moda e as roupas guardam uma ambivalência, prevalente, a demarcar o universo masculino e feminino, caracterizadoras de poder e beleza, enfeixando castas, realezas, cleros e outros segmentos sociais, através dos tempos.
Isto foi, é, e não sei se será, futuramente. O Tempo dirá!
Qual teria sido a razão do uso da gravata? Ora, simples e cristalino! Senão, vejamos!
Exemplaridade comportamental em função de dois fatores, quais sejam a formalidade e o poder, que regem o status societário e a ordem universal, pois manda quem pode e obedece quem tem juízo, conforme o adágio popular.
Quanto ao mais, debitemos à conta do mundo da emulação, a relembrar-se a figura icônica do Rei Sol – Luís XIV-, que adotou o uso da “cravate”, lançada por um grupo do exército croata, durante a Guerra dos Trinta Anos, fato disseminador, à época.
A gravata já foi sudário, já foi símbolo militar a feitio das dragonas a ornar os ombros dos militares, a indicar postos e graduações, em todas as principais civilizações.
A liturgia-serviço público ou serviço do povo-, em grego, dito também ofício religioso, era a denominação encontradiça na Bíblia dos Setenta, anterior à Vulgata, a designar os atos religiosos dos sacerdotes levíticos no Templo de Jerusalém.
Este adereço do vestuário, metamorfoseou-se sob a égide da liturgia, gerando o clérgima, dito colarinho clerical, a diferenciar os clérigos e o povo em geral, ou seja, o mundo secular. Em síntese, a gravata transmutou-se para o colarinho clerical, no princípio uma white tie (faixas de pregação), ao ser inventado pelo Reverendo Donald Mcleod, em 1827, atualmente usado pelas Igrejas Católica e Ortodoxa e demais vertentes anglicanas.
Vê-se, assim, que a gravata é um mero símbolo de poder!
Encontramo-nos, hoje, frente aos rigores mortais de mais uma pandemia que o mundo está a enfrentar, ciclicamente, como foram outras como a peste bubônica, a peste negra, a varíola, a cólera, a gripe espanhola, a gripe suína, além da invencível Aids, que não subjugaram a gravata e seus nós górdios.
Todavia, a atual Covid 19 tem apresentado variantes sucessivas, obrigando a população ao sistêmico uso de máscaras protetivas, constituindo-se em verdadeira inovação ao mundo ocidental, medida cautelar esta, entretanto, há décadas utilizada por países asiáticos.
Agora, além da gravata, o homem terá alterado o seu visual, passando as máscaras a compor uma nova realidade, sob o condão da sanidade grupal, atingindo a esfera feminina no seu contexto de embelezamento feminino.
Queiramos ou não, este componente está a transformar hábitos e formas de viver, não só sob a égide do poder e formalidade, mas sim ao talante da incolumidade humana.
A verdade é que as pandemias e males terrestres jamais extinguirão a gravata e suas variantes, porquanto este adereço modal está ungido ao poder soberano da vaidade humana, inscrita em Eclesiastes, em frase bíblica assim enunciada: Vaidade das vaidades, tudo é vaidade (vanitas vanitatum et omnia vanitas).
O resto são borboletas de todo gênero a borboletar…
José Carlos Gentilli – Escritor, membro da Academia de Ciências de Lisboa e Presidente Perpétuo da Academia de Letras de Brasília