A INTEGRAÇÃO DO DIREITO (I) –
Como sabemos, a lei não pode – no sentido de “não estar apta a” – regular todos os fatos acontecidos e potenciais da convivência humana. A essas situações, em que não é possível fazer a subsunção do fato (ou da hipótese fática) à lei, damos o nome de lacuna legal.
Entretanto, se a lei para alguns casos é lacunosa, o sistema ou ordenamento jurídico (de um dado país) não o é. Pelo contrário, por definição, esse sistema jurídico é pleno (princípio da “plenitude lógica do ordenamento jurídico”) e nele hão de ser encontradas as soluções para todas as questões jurídicas surgidas ou imaginadas. A solução para tais lacunas, sempre dentro do sistema jurídico, dá-se por intermédio da técnica da “integração do direito”. Nesses casos, basicamente, como explica Arruda Alvim (em “Sentença no processo civil: as diversas formas de terminação do processo em primeiro grau”, texto que consta do tomo “Processo civil 2” da “Coleção estudos e pareceres”, Revista dos Tribunais, 2005), “o trabalho do juiz, ao invés de se basear numa lei, identificada à luz dos fatos jurídicos que lhe foram trazidos, constituir-se-á, diante da lacunosidade da lei, o de buscar no sistema o meio mediante o qual se constata que o sistema é íntegro”.
Dispõe expressamente o art. 4º da “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro” (Decreto-Lei 4.657/42, que, antes da redação dada pela Lei 12.376/2010, era chamada de “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro”): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. No mesmo sentido, proibindo o “non liquet” (o não julgar), também com fundamento no princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), dispunha o art. 126 do Código de Processo Civil de 1973 (o que foi somente em parte repetido pelo CPC de 2015 em seu art. 140): “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.
Assim, como métodos de integração do direito, conforme expressamente preconizado pelo diploma legal que regula a aplicação das normas do direito brasileiro, temos: (i) a analogia, (ii) os costumes e (iii) os princípios gerais de direito.
Tratemos, por hoje, da analogia. Antes de mais nada, não devemos confundi-la nem com a interpretação extensiva, nem com a chamada interpretação analógica. As duas últimas são espécies/resultados de interpretação. Tanto a interpretação extensiva como a analógica partem e trabalham dentro do preceito legal interpretado. Elas resolvem problemas de inexatidão ou insuficiência verbal desse preceito. Já a analogia é um meio de integração do ordenamento jurídico e tem como pressuposto a inexistência de uma norma para a hipótese dada. A analogia, de fato, busca corrigir uma lacuna no arcabouço legal.
Na analogia, parte-se da premissa de que situações semelhantes dever ser tratadas de forma semelhante. Partindo dessa premissa, aplica-se a uma hipótese não expressamente prevista em lei dispositivo/lei que regula hipótese semelhante. Por exemplo: para a hipótese A tem-se a norma X; para a hipótese B não há norma legal expressa; mas A e B são hipóteses semelhantes ou análogas; então, aplica-se à hipótese B a norma X. Em outras palavras, na falta de lei para dada hipótese, então, como forma de integração do direito, aplica-se a ela (à hipótese “sem” lei) a lei que disciplina hipótese análoga.
É muito importante registrar, entretanto, que o uso da analogia não é ilimitado. No direito penal, por exemplo, só é possível a integração por analogia “in bonam partem” (em favor do réu), nunca para seu prejuízo.
Bom, sobre os costumes, os princípios gerais do direito e outras coisitas mais, por falta de espaço hoje, conversaremos nos nossos próximos encontros.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP
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