A LAICIDADE DO ESTADO –

Tem havido uma confusão sobre o conceito de Estado laico com Estado ateu. Estado laico é aquele em que as instituições religiosas e políticas estão separadas, mas não é um Estado em que só quem não tem religião tem o direito de se manifestar. Não é um Estado em que qualquer manifestação religiosa deva ser combatida, para não ferir suscetibilidades de quem não acredita em Deus.

A Constituição brasileira de 1924 estabelecia em seu artigo 5.º: “A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas em seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do templo”.

A Constituição atual não repete tal disposição, nem institui qualquer outra religião como sendo a oficial do Estado. Ademais, estabeleceu em seu artigo 19, o seguinte dispositivo: “É vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Assim, compreende-se que o Estado brasileiro é um Estado laico.

Atualmente, o termo Estado laico vem sendo utilizado no Brasil como fundamento para a insurgência contra a instituição de feriados nacionais para comemoração de datas religiosas, a instituição de monumentos com conotação religiosa em logradouros públicos e contra o uso de símbolos religiosos em repartições públicas. Até mesmo a expressão “sob a proteção de Deus”, constante do preâmbulo da Constituição da República vem sendo alvo de questionamentos.

Ressalte-se, no entanto, que o conceito de Estado laico não deve se confundir com Estado ateu, como dito acima, tendo em vista que o ateísmo e seus assemelhados também se incluem no direito à liberdade religiosa. É o direito de não ter uma religião conforme disse Pontes de Miranda, em seu Comentários à Constituição de 1967: “liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença”.

Assim sendo, confundir Estado laico com Estado ateu é privilegiar esta crença (ou não crença) em detrimento das demais, o que afronta a Carta Magna.

Por isso, muito mais adequado do que chamar a República Federativa do Brasil de Estado laico, seria chamá-lo de Estado plurireligioso, que aceita todas as crenças religiosas, sem qualquer discriminação, inclusive a não crença.

Ao abordar esse conceito de Estado plurireligioso, surge uma questão interessante, a respeito da forma a ser utilizado pelo Estado, em certas ocasiões, de optar pelo culto de determinada crença religiosa, quando isso implica em afastar outras. Especificando, porque permitir que se construa uma estátua de Cristo, e não de Buda? Por inaugurar um logradouro público com o nome de Praça da Bíblia e não Praça do Alcorão? E porque não deixar de construir um monumento com conotação religiosa, com o fim de não ofender a consciência dos não crentes e a dos crentes de outras religiões ou seitas?

Entendo que, embora o Estado deva respeitar e proteger os não crentes e os crentes de outros cultos, não parece adequado que o Estado deva suprimir de seu ofício qualquer alusão a determinado culto religioso, ou deixe de colaborar com este por causa de uma minoria insatisfeita, que tem toda a liberdade, constitucionalmente assegurada, de pregar a sua crença ou não crença, com o fim de conquistar novos adeptos, bem como eleger seus representantes para que defendam seus interesses perante o Estado.

Concluindo, fica patente que o Estado Brasileiro, de acordo com a Constituição, deve dispensar tratamento igualitário a todas as crenças religiosas, incluindo a não crença, sem adotar nenhuma delas como sua religião oficial.

 

Josoniel Fonsêca – Advogado e Professor Universitário, membro da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN

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