A MAGISTRATURA EM PÉ –
A CF/88 (art. 127) textualiza que o Ministério Público, assim como os Procuradores de Estado, exerce função essencial à Justiça e, particularmente, “incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Na nova concepção, divorciou-se da caduca ideia de “comissário do rei” e de “acusador público”, lembrado por Michele
Laure Rassat (Le Ministere Public, Paris, 1967, p 31-5).

Tem, agora, por missão pragmática a promoção da ação penal pública, a ação civil pública em defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, o controle externo da atividade policial, etc.

Didaticamente, esse é o órgão do Estado destinado a velar pela execução das Leis, em nome da Sociedade e da Justiça que representa e defende, exercendo as suas funções junto aos Juízes e Tribunais. Representa-o, no âmbito estadual, o Procurador Geral da Justiça, seguido dos Procuradores de Justiça e dos Promotores. É, em síntese, o fiscal da lei em toda a sua abrangência e alcance.

Por ser o guardião inquebrável dos fracos, a atalaia do arcabouço jurídico-social e o arauto dos injustiçados, o Ministério Público é cognominado pelo magistrado e jurista italiano Piero Calamandrei de a “Magistratura em Pé”. Onde há uma violação da lei, desrespeito aos sagrados direitos do homem, uma injustiça, uma arbitrariedade, a Magistratura em Pé deverá estar presente, semeando justiça, acusando culpados e defendendo inocentes.

É notável, diversificada, inigualável a função social do Ministério Público, como difíceis, árduos e complexos são seus misteres.

Defende a ordem e o interesse coletivo até onde essa ordem e interesses coexistem com o bem público. Nenhum excesso, nenhuma paixão, nenhuma parcialidade em comprometer ou perturbar a
posição serena que lhe incumbe na vigilância e no patrocínio da harmonia e equilíbrio sociais.

Profissão nenhuma deve ser exercida com mais desprendimento, com mais probidade, com maior isenção de ânimo, e com mais criatividade e equilíbrio, do que a de representante do Ministério Público.

Muitas vezes, no julgamento de um processo de prova deficiente ou contraditória, seu dever é o de opinar pela absolvição do réu, não se valendo da condição de “acusador” para sofismar ou, adotar argumentos tendenciosos, com o objetivo de forçar uma condenação. Afinal, triste seria o seu fim se os seus integrantes se transformassem em verdugos, aves de rapinas, hienas, pessoas insensíveis, sem senso de justiça aguçado, vendo bandidos fantasmas por todos os lados e ilegalidade em qualquer ato humano comum. Ademais, continua verdadeira a assertiva “in dubio pro réu”, ou seja, pior que absolver um culpado é condenar um inocente. Mesmo porque a vigente Constituição Cidadã adotou o princípio da presunção de inocência ou que ninguém poderá ser considerado culpado sem sentença judicial definitiva.

Pessoalmente já senti, no exercício dessa missão, momentos difíceis de dúvida e angústia profissional. Primeiro em 1972, estreando como Adjunto de Promotor de Justiça, e depois em 1981,
como Promotor Substituto e, finalmente, como Promotor Titular (ao todo em mais de 12 Comarcas
interioranas importantes), quando vieram às minhas mãos fatos dúbios e contraditórios, onde matutei durante horas a fio para encontrar uma solução viável entre os conflitantes interesses da Lei, da Justiça e da Sociedade.

Procurei não me deixar levar pela vaidade e exibicionismo fáceis, arrogância, açodamento e prepotência; e jamais espezinhei sobre a desgraça, tragédia e percalços alheios, dos que ocasional e abruptamente, cometeram uma infração. Invariavelmente, agi com cautela, porém, sem medo; com prudência sem tibieza; com humildade, mas com destemor, altivez e equilíbrio. Contudo, nunca, mas nunca mesmo, tripudiando em cima de cadáveres ou, como diz o vulgo, “chutando em cachorro morto”.

Face a complexidade dessa profissão, para não dizer sacerdócio, não basta saber Direito para exercê-la em toda a sua plenitude e em todo o seu esplendor. É preciso coragem pessoal, criatividade, espírito público, humildade, renúncia, vocação e força moral, pois o caminho é espinhoso e penosa é a sua jornada. Em resumo: como preconizava Flóscolo da Nóbrega “a justiça é o horizonte indeclinável na paisagem do Direito” ou na humana hermêneutica do ministro Alcides Carneiro: é menos ruim, em caso de dúvida, absolver um culpado que carregar na consciência o peso da condenação de um inocente arrastado pelo espirito danoso de justiceiro e vingador da mídia marrom.

 

 

 

 

 

Adalberto Targino – Procurador do Estado, ex-Promotor de Justiça, Juiz de Direito Suplente, Delegado de Policia Judiciária, Perito Criminal, Professor de Direito, membro catedrático da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas e das Academias de Letras Jurídicas do RN e da PB.

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