A MELHOR IDADE ? –
O ciclo da vida tem suas etapas bem distintas e demarcadas, de acordo com a idade, que vão do nascimento à morte.
Nesse contexto, temos: a infância (do nascimento até os onze anos), a adolescência (dos doze aos vinte anos), a fase adulta (que inicia aos vinte e um anos) e, finalmente, a velhice, também conhecida como terceira idade, melhor idade (nunca), que se inicia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), aos setenta e cinco anos.
Diante dessa descrição, quero me referir e relatar o dia a dia daqueles que atingiram a quarta fase, não tão boa como alguns querem e a chamam de “melhor idade”.
Os que nela se encontram já percebem um certo vazio: a ausência de amigos, colegas e de familiares da sua época; já sentem a aproximação angustiante da solidão. Já não circulam como antes, já não frequentam mais os seus divertidos e habituais redutos; já sentem falta daqueles bons bate-papos, de jogar conversa fiada fora. Não há mais quórum: tem chão, mas falta gente. Muitos já se foram para habitar um novo planeta inimaginável – o dos mortais.
Quando raramente se encontram, são em locais nunca antes desejados e imaginados: nas farmácias, nas salas de espera dos laboratórios, dos consultórios médicos; nas urgências hospitalares e nos velórios e ou sepultamentos.
Os cumprimentos mudaram o seu formato; o tradicional e alegre “bom dia, tudo bem?” foi substituído pela informação direta sobre o estado de saúde: “saí há poucos dias do hospital”, “fiz a minha terceira mamária” (revascularização cardiovascular), “o médico disse que o meu coração está zerado, tudo muito bem”. Bem? Estão sim, as farmácias, rindo à toa, vendendo como nunca.
O outro já chega comentando: “estou com a minha segunda ponte de safena, não sei se estou bem ancorado, mas, ainda, conseguindo atravessar a pinguela”.
Um se aproxima, apoiado e ajudado pela bengala, e comenta: “acabo de colocar uma prótese de quadril e estou me preparando para também trocar o joelho, está tudo precisando de reposição. Ultimamente só vivo em fisioterapia e hidroterapia, virando peixe nas piscinas aquecidas”.
Outros se cumprimentam dando informações diretas sobre algum amigo ou contemporâneo: “sabe quem está na UTI do hospital X? Fulano! Dizem que não sai mais vivo de lá!”. O outro rebate e indaga: “E Beltrano? Depois da covid, ficou com uma notável sequela neurológica, não se lembra mais de nada, só faz chorar e perguntar pela avó”. Já Sicrano está com a próstata crescida, levantando-se dez vezes à noite para urinar aqueles pinguinhos, já não consegue mais dormir. Examinado pelo médico de dedo grosso, e após o toque retal, foi orientado a retornar semanalmente para reexaminá-lo; ficou receoso de gostar e ficar na dependência dedal. E outros relatam que o cirurgião urológico retirou a próstata toda, não deixando nada e, hoje, se sentem amofinados e desencorajados.
O isolamento caseiro, que foi deflagrado na pandemia viral de 2019, piorou muito a situação dos que estão na idade da “descida da ladeira”. O bicho perigoso da solidão se apegou e impregnou mais a vida dos isolados.
E, assim, segue a vida, no seu percurso cíclico; uns vão mais cedo e, aqueles que chegam na sua quarta fase, vão enfrentando todas essas mazelas, vivendo e achando bom! Tocados pelo ritmo de Zeca Pagodinho:
E deixa a vida me levar / Vida leva eu / Sou feliz e agradeço / Por tudo que Deus me deu; e emenda com o grande e imortal cantor/compositor Gonzaguinha: Ninguém quer a morte / Só saúde e sorte.
Berilo de Castro – Médico e Escritor, berilodecastro@hotmail.com.br
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