A MOCINHA DAS CANGAS –

Depois de residir em Mãe Luiza por 18 anos fui parar em Ponta Negra. Como a casa fica no conjunto, decidi passar a caminhar no calçadão da praia. Deste tempo para hoje já se passaram oito anos e, neste período, fui vendo e observando alguns personagens que, por estarem sempre por lá, chamaram mais minha atenção.

Uma dessas pessoas é a mocinha das cangas. Quando comecei a caminhar com mais assiduidade pelo calçadão ela devia ter uns 10 anos. A mãe chegava sempre cedo e montava algumas estruturas de madeira onde arrumava cuidadosamente biquínis, tangas e cangas.

A mocinha estava sempre presente e ainda brincava. Até com boneca cheguei a ver. Ficava sentada e de alguma maneira ajudava a mãe.

O tempo passou e a mocinha estava sempre lá. Como vou pela manhã deduzo que ela possa estudar de tarde.

Com o tempo a mocinha foi mudando. De sentadinha quieta e curtidora de bonecas e brincadeiras infantis, evoluiu para trabalhadora. Sua presença e participação no negócio da mãe foi crescendo.

Chegou um tempo que a mãe não estava mais tão presente, mas ainda aparecia, até que sumiu.

Passei a ver a mocinha sozinha, vendendo com desenvoltura ao mesmo tempo que seu corpo tomava forma.

Neste último domingo voltei a prestar atenção na mocinha por um detalhe. Além de sozinha e totalmente ciosa da arte de vender, algo diferente começa a surgir em seu corpo.

Não acho que seja extravagância com coxinhas e refrigerantes, hábito alimentar praticamente unânime entre os operários do calçadão. Não percebi que possíveis bolsões de gordura também possam ser detectados em outras partes do corpo.

Pelo que vi e percebi, a mocinha das cangas já não é mais uma mocinha infantil e nem só trabalhadora. A mocinha parece ser agora uma jovem prestes a ser mãe.

Ela ainda é muito jovem. Seu rosto ainda não imantou aquele sofrimento de quem trabalha muito desde cedo e que pega muito sol na labuta. A jovem é bonita e tem pele lisa e muito rígida ainda.

Certamente a verei no futuro como mãe. Não sei se a vó da filha vai estar por perto. Não sei se aparecerá algum rapaz, pois nunca a vi com nenhum. Não sei se a jovem optou pela tal de produção independente.

Ao passar e ver aquele pequeno negócio ali montado há tanto tempo, sendo administrado por uma jovem mãe, meu observar vai incorporar esta realidade.

Passando muito tempo por alguns locais vamos observando essas mudanças. Na paisagem, nas pessoas e na dinâmica econômica da polis.

Não sei se me observam, mas também estou mudando e sendo feliz com todas as diferentes maneiras de ver e de viver.

Flávio RezendeJornalista e ativista social

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *