A MODA ANTIGA DAS SERESTAS –
Há até pouco tempo, o nosso país podia orgulhar-se de possuir em seu rico elenco de cantores uma das maiores vozes masculinas de todos os tempos. Ao morrer, Emílio Santiago, o imponente e sorridente negro, intérprete de muitas e variadas canções, nos deixava órfãos do timbre especial e característico da sua potente, inconfundível e afinada voz. Foi, inegavelmente, o maior do seu tempo.
Uma breve visita ao nosso passado musical nos leva a relembrar outras tantas e maviosas vozes que, antes de Santiago, preencheram os espaços das rádios, dos discos e das salas de espetáculo, onde brilhavam e reinavam sob aplausos e aprovação dos admiradores. Os chamados “cantores românticos” detinham a preferência dos fãs, que projetavam nas vozes dos seus ídolos supostas angústias, amores vigentes e romances fracassados, em meio às composições que exaltavam a beleza e a presença da mulher, costumeira protagonista de um repertório passional muitas vezes impregnado de exaltada e conveniente dramaticidade.
Atualmente, muita gente sem um mínimo da característica recebe o nome de seresteiro. Porém, visitando uma relação de celebrados intérpretes do passado, encontramos cantores do quilate de Francisco Alves, o Chico Viola, denominado “Rei da Voz” pelos apresentadores mais enfáticos. Ou Vicente Celestino, uma inflamada voz de barítono “atenorado”, que interpretava cançonetas líricas e dramáticas. Quem nunca ouviu falar dos sucessos O Ébrio, Porta Aberta e Coração Materno? Tomamos conhecimento de que brilharam Gastão Formenti, Antenógenes Silva, Nuno Roland, Almirante e Augusto Calheiros. Estes podem ser considerados pioneiros entre os que surgiram a partir dos anos 1920/30, tendo sobrevivido a até meados do século passado. Alguns, como Calheiros, morreram pobres, carecendo de ajuda financeira dos amigos para viver.
A partir dos anos 1940, surgiram Gilberto Alves e Onésimo Gomes – que era também compositor – conhecidos pela personalidade das vozes vibrantes, e o popularíssimo Silvio Caldas, chamado “O Caboclinho Querido”, um dos mais longevos intérpretes de serestas e parceiro em algumas composições famosas como Chão de Estrelas, juntamente com Orestes Barbosa, produtivo autor de inúmeras canções. Orlando Silva, o “Cantor das Multidões”, a voz equiparada a um Charles Trenet, francês, e Bing Crosby, norte-americano. Carlos Galhardo, argentino nato e brasileiro ferrenho, integram a lista dos seresteiros mais presentes, numa época em que os futuros bossa- novistas ainda aprendiam a dedilhar seus violões e a cutucar as teclas dos pianos.
Em nossa adolescência – e infância, até – ouvíamos nos valiosos rádios domésticos as vigorosas vozes de: Jorge Goulart, também militante político; Alcides Gerardi; a forte personalidade de Jamelão, o eterno mangueirense; Cauby Peixoto, cantor elegante e versátil, de carreira duradoura e vitoriosa; Roberto Luna, também bolerista; a suavidade vocal de Agostinho dos Santos; João Dias, o “Príncipe da Voz”, pela semelhança vocal e física com Francisco Alves; e Francisco Carlos, “El Broto”, que provocava suspiros em donzelas e casadas, enquanto fazia estremecer o auditório da Rádio Nacional. Também pontuavam o cantor e compositor Dorival Caymmi, a voz especial de Carlos José e o romantismo extremado de Carlos Alberto, “O Chorão”.
O grande destaque, naturalmente, fica por conta daquele que foi, talvez, o mais emblemático intérprete, desde 1941, quando estreou no disco com a música Sinto-me Bem: Nelson Gonçalves. Em sua carreira, uma das mais longas da nossa música, popularizou e perpetuou canções que permanecem na lembrança dos seus contemporâneos e são também reverenciadas pelas novas gerações que reconhecem a dignidade da seresta clássica do Brasil. Ainda hoje canta-se “A Volta do Boêmio”, “Meu Vício é Você”, “Deusa do Asfalto”,” Êxtase”, sucessos dos anos 1950, indeléveis na memória dos admiradores e objeto de respeito e reverência até pelos artistas de hoje.
Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais
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