A NOIVA DO SOL –
Em junho de 2001, num ato de brutalidade insana, assassinaram o engenheiro civil César Serrão Pinto Bravo. Mataram-no, com um tiro na testa, no interior de seu gabinete de trabalho. O colega, funcionário do antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem-DNER, foi posto dentro do próprio carro e levado para um lixão na cidade de Parnamirim, onde marginais carbonizaram o corpo.
César era carioca, tinha 43 anos de idade, solteiro, trabalhava no DNER desde 1988. Há três anos morando em Natal fora tomado de apego inusitado pela cidade. Chefiava a residência do órgão em Macaíba e cuidava da malha rodoviária federal da Grande Natal. O gosto pela leitura o fez um aficionado da obra de Luís da Câmara Cascudo.
Em papo descontraído comigo, num final de expediente, ele esbanjou falação sobre o folclorista e seus escritos. Havia lido em transcrição do tabloide O Canguleiro, um artigo do escritor intitulado Abrindo as portas. Para minha surpresa recitou, ao pé da letra e de um fôlego só, um parágrafo inteiro do texto:
Natal, Noiva do Sol, minha cidade querida, deu-me o que sempre esperei: a tranquilidade de espírito, a paz do coração, o amor pelas coisas humildes do mundo, no meio das quais sempre vivi. Em seguida, me questionou: Por que ainda não institucionalizaram Natal como a Noiva do Sol?
Sem qualquer argumento convincente me desvencilhei da saia justa com uma evasiva qualquer. Mas, ficou-me a martelar a observação do colega. Dias depois César me procurou com uma proposta: colocar na BR-101, na altura da linha demarcatória do limite geográfico entre os municípios de Natal e de Parnamirim, uma placa rodoviária indicativa com a legenda A Noiva do Sol. Concordei, e ele ali a fincou.
Existem casos em que a empatia decorrente da denominação dada à cidade é de tal forma consolidada pela comunidade, que perpetuam marcas registradas indissolúveis. Cidade Maravilhosa, Veneza Brasileira e Cidade das Flores são alguns exemplos de títulos atribuídos a metrópoles, no caso, as capitais dos Estados do Rio de Janeiro, de Pernambuco e do Paraná, respectivamente.
Cá entre nós, o apelido Cidade do Sol anda sendo usurpado por outras capitais do Nordeste – ou seremos nós os usurpadores? – e, Trampolim da Vitória está em desuso. Até que cairia bem chamar Natal de A Noiva do Sol. A cidade possui particularidades comumente atribuídas a uma noiva: é graciosa, agradável e, apesar das agressões que sofre na atualidade, ainda se vê nela réstias de alegria.
O fato de o Sol haver celebrado o noivado com Natal, como em qualquer relacionamento, resultou de uma combinação de afinidades. Aqui, com o ar mais puro do país, o Astro Rei irradia maior luminosidade e vigor. Daí porque dentre tantas pretendentes à sua disposição no litoral nordestino, ele deixou-se seduzir pela cidade hospitaleira, de clima ameno e reconhecido domínio dos Três Reis Magos, para nela lançar seus raios com maior intensidade.
O colega falecido, a exemplo do maior escritor do Estado, foi um amante da cidade que noivou com o Sol. O folclorista manifestou sua paixão em loas, versos e prosas; já o engenheiro, sem perceber a proximidade do limiar da própria existência, estampou a dimensão de sua afeição numa placa solitária fixada à margem da entrada da cidade que adotou como terra natal.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor