A NOVATA –
Era o final da década de 60. Maria tinha chegado de Nova-Cruz, pela manhã, para trabalhar como empregada doméstica, em Natal, na residência do casal Ângela e Nelson. Saiu diretamente das brenhas daquela cidade, para a capital, onde os costumes e até as comidas eram um pouco diferentes.
Antes da chegada do progresso ao interior nordestino, as jovens da roça chegavam para trabalhar em Natal, sem nunca terem visto Coca-Cola, geladeira, chuveiro, ventilador, fogão a gás, ferro elétrico ou piscina.
A primeira vez que viu o mar, Maria perguntou à patroa, se aquilo era um açude do governo.
Ao ver a piscina da casa de um casal amigo dos patrões, ficou impressionada e confessou que, até aquele dia, nunca tinha visto um “barreiro” tão bonito (barreiro é um pequeno açude, feito para amenizar a seca nordestina).
Ao lhe ser oferecido, pela patroa, um copo de Coca-Cola, timidamente, Maria recusou, procurando se justificar:
– Eu não quero esse vinho, não. Tenho medo de ficar “beba”. E não houve jeito de tomar a Coca-Cola.
De água gelada, a moça disse que já tinha ouvido falar, mas nunca tinha visto. Mas não gostou de conhecer. Dizia que sentia dor nos dentes, com a frieza da água.
No dia em que Maria chegou em Natal, Ângela, a patroa, tinha feito uma caçarola de calda de ameixa, para decorar um pudim e um manjar, que seriam servidos no dia seguinte, aniversário do seu marido. Essa caçarola com a calda de ameixa, já pronta, passou o dia todo em cima do fogão, devidamente tampada.
A dona da casa passou o dia desempenhando outros afazeres e somente à noite desenformou o pudim e o manjar nos respectivos pratos. Em seguida, foi buscar a caçarola da calda de ameixa, para decorar as duas gostosas iguarias, que estavam “na moda”. Encontrou o fogão limpo, coberto com um pano bordado, e nem sinal da caçarola com a calda de ameixa. A patroa viu o referido utensílio doméstico lavado e pendurado no tripé de alumínio, na época, usado para esse fim. Imaginou que a nova empregada houvesse guardado a calda de ameixa em algum recipiente e procurou nos lugares onde poderia estar. Não a encontrando em lugar nenhum, a mulher resolveu chamar a empregada, que, por sinal, já estava recolhida aos seus aposentos. O jeito foi bater na porta do quarto de Maria, para perguntar onde ela tinha guardado o conteúdo da caçarola. A empregada levantou-se sonolenta e respondeu que não tinha mexido em nada; não sabia de nada, nem tinha visto nada daquilo, que a patroa estava lhe perguntando.
A dona da casa segurou a caçarola vazia e mostrou à empregada, dizendo:
-Maria, a calda de ameixa estava aqui, nesta caçarola que você lavou!!! Onde foi que você guardou?
A moça ficou pensativa, olhando para o teto da casa, como quem estava procurando a resposta. Parecia um aluno traquino, que não estudou a lição. e estava sendo interrogado pela professora.
Encabulada e sem olhar nos olhos da patroa, Maria perguntou:
– Dona Ângela, era um negócio preto, da cor de piche, com um caldo grosso, que “tava” dentro dessa panela, em riba do fogão?
Depois da patroa dizer que sim, Maria confessou:
-“Apois”, eu “avoei” tudo no mato. Pensei que fosse coisa “pôde” e não tive nem coragem de cheirar. Não sabia que aquilo se comia.
Ângela, mesmo contrariada, explicou que aquilo era uma calda de ameixa, que se usava para acompanhar sobremesas.
A resposta de Maria:
-Nunca ouvi falar, na minha vida, nessa tal de “almeixa”.
Violante Pimentel – Escritora
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