Houve época em que os ladrões tinham as duas orelhas cortadas (Ordenações Afonsinas, Livro I, título 60, parágrafo 11). Esse castigo tornou-se um costume velho e vulgar em Portugal e Espanha, espalhando-se pelas Américas.
Cortar a orelha do inimigo vencido era o troféu mais importante da época, pois isso o impediria de captar conhecimentos pela audição.
O pavilhão auricular era dedicado a Mnemosine, a deusa da Memória. Dessa certeza veio o costume de se puxar as orelhas dos estudantes, para que decorassem ou não esquecessem o que aprendiam. Era o processo de mnemotécnica.
Era sabido que o conhecimento entrava pela audição. E o pavilhão auricular era dedicado a Mnemosine, a deusa da Memória. Por isso, havia o costume de se puxar as orelhas dos alunos, a fim de que decorassem ou não esquecessem o que aprendiam na Escola. Qualquer história antiga registra esse furor de cortar orelhas.
Os portugueses fizeram horrores no Oriente, empilhando as orelhas derrotadas. Começou por Vasco da Gama, cortando 800 orelhas. Afonso de Albuquerque cortou tantas orelhas, que perdeu o número.
No Brasil, tornou-se uso e costume. Bartolomeu Dias, esmagando um quilombo de escravos fugidos, deixou todos sem orelhas, num total de 7.800, que ofereceu ao Conde de Bodadela, capitão-general.
No Dicionário do folclore brasileiro, Edição atual – 12 ed. São Paulo: Global, 2012. (N.E), a informação é maior, incluindo o costume romano de levar as testemunhas pela orelha ao tribunal, para que prestassem depoimento.
Puxar a orelha era uma invocação à deusa da Memória, atendida pela conservação imediata do que se procurava reter mentalmente. Seria uma maneira especial de pedir a intervenção sobrenatural de Mnemosine.
O castigo de cortar as orelhas, é muito antigo e comum. Era a punição por alguém não ter ouvido, entendido, compreendido, ou obedecido ao que determinava a lei.
João Brígido (Ceará: homens e fatos, Rio de Janeiro, 1919) informando sobre a data de 3 de março de 1741, escreve:
“Um alvará dessa data ordena que os escravos que se encontrassem em quilombos, estando neles voluntariamente, fossem assinalados com um F, e na resistência tivessem uma orelha cortada.
Esta penalidade poderia ser aplicada, por simples mandado do ouvidor, do juiz de fora ou do juiz ordinário.
Pois bem. A orelha cortada mais famosa do mundo foi a do pintor Van Gogh, numa atitude de automutilação. Esse episódio se tornou um dos mais famosos da história da arte. Aconteceu em 23 de dezembro de 1888, na cidade francesa de Arles.
Assim registra a história:
Um estrangeiro foi até um bordel da cidade e entregou a uma garota que estava no local um pacote com um pedaço sangrento de sua própria carne.
Era Vincent van Gogh, que acabara de cortar a própria orelha. Na época, tratava-se de um pintor desconhecido e sem sucesso, mas que posteriormente se tornaria um dos artistas mais famosos de todos os tempos.
O ano que ele passara na região francesa de Provença o definiu: foi o período em que criou suas obras-primas mais apreciadas, mas também aquele em que se mutilou.
Horas depois do episódio no bordel, às 7h da manhã, na véspera de Natal, o pintor Vincent van Gogh foi encontrado pela polícia em sua cama, em posição fetal e com a cabeça envolta em trapos empapados de sangue.
Os policiais pensaram que ele estava morto, mas não estava.
Van Gogh morreu 18 meses depois, em 29 de julho de 1890, em consequência de uma infecção que contraíra alguns dias antes, após tentar se matar com um revólver.
A história da automutilação de Van Gogy, com a decepação da própria orelha, é o incidente mais chocante do mundo da arte moderna. No entanto, opiniões divergem nesse sentido, no que se refere às causas que teriam levado o famoso pintor ao desatino.
Até pouco tempo atrás, não havia nem certeza de que ele realmente tivesse cortado a própria orelha –desconfiava-se de que Van Gogh tivesse cortado apenas o lóbulo de uma das suas orelhas.
A BBC, (Corporação Britânica de Radiodifusão) acompanhou os trabalhos da escritora e historiadora de arte Bernadette Murphy, que desde 2010 se dedicou a desvendar o mistério. Efetuou pesquisas nos cartórios da cidade, bibliotecas de Arles e outras cidades da região.
Baseada nessas pesquisas, a referida escritora publicou, em 2016, o “Van Gogh’s Ear: The True Story”, obra que investiga o terrível incidente em que Vincent Van Gogh cortou sua própria orelha. Bernadette Murphy fez um vasto trabalho de pesquisa, incluindo a análise de registros médicos e documentos históricos para desvendar os acontecimentos daquela terrível noite de 23 de dezembro de 1888.
O episódio de automutilação também pode estar relacionado a crises de transtornos de humor e de personalidade, agravadas por uma interrupção brusca do seu uso frequente de álcool, provocando-lhe uma forte crise de abstinência.
Outra corrente sugere que o medo de perder o patrocínio de seu irmão Theo, que estava prestes a se casar, também pode ter contribuído para o tresloucado ato.