A SEMANA SANTA, NA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE –
O apelo que sempre guardei na memória:
“UMA ESMOLINHA, PRA MINHA MÃE JEJUAR NO DIA D’OJE!!!”
Eram as crianças de Nova-Cruz pedindo esmolas na Semana Santa.
Na sala da nossa casa em Nova-Cruz (RN), ficavam dois sacos grandes, um com brote, outro com bacalhau. Eram as esmolas que minha mãe distribuía aos pedintes, na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira da Paixão. Nessa época, década de 60, bacalhau era produto de baixo custo.
Paralelamente, na Sexta-Feira, havia uma grande preocupação das famílias, de esconderem suas galinhas dentro de casa. Os “biriteiros” de plantão costumavam furtá-las dos galinheiros nessa noite, e transformá-las em guisados, para lhes servir de tira-gosto.
O furto de galinhas, na noite da Sexta-Feira Santa, era uma tradição, fruto da cultura popular nordestina. Geralmente, os “gatunos” eram jovens conhecidos e de boa família, e faziam isso por danação. Às vezes, o furto era compartilhado pelos próprios filhos dos donos da casa.
As comadres da minha mãe, que residiam na área rural, traziam-lhe beijus de goma com coco de presente, cujo cheiro e gosto nunca esqueci.
A Semana Santa, para os adeptos da Igreja Católica, era uma época triste e sombria. Para começar, não havia aula durante essa semana. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito. Não se ouvia música profana. Não se chamava nome feio, e quase não havia briga na cidade. Era um período de reflexão e esperança de um mundo melhor,
Na Quarta-Feira da Semana Santa, a chamada Quarta-Feira de Trevas, a Igreja ficava lotada de fiéis à tardinha, para se assistir a cerimônia do Ofício das Trevas. Os fanáticos e sujos acreditavam que o banho tomado nesse dia poderia deixar a pessoa “entrevada” para o resto da vida.
Mas, Frei Damião, numa das Santas Missões que fez em Nova-Cruz, acabou com esse tabu, que assombrava o povo do mato. Durante as Missões, no intervalo das missas, mandava que todos fossem para casa tomar banho, para não voltarem fedendo a paturi (produto do cruzamento de pato com marreca).
Na Quinta-Feira Santa, quando se revive a traição de Judas durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza, Era o começo do martírio de Jesus, que carregaria sua Cruz até ser crucificado e morto.
Na Sexta – Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem. Era a cerimônia do “beija”.
Nesse dia triste, eram praticados o jejum de carne e a abstinência de bebidas alcoólicas.
As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas.
Os clubes sociais e outros ambientes de entretenimento não funcionavam, em respeito à morte de Jesus Cristo.
O sábado de Aleluia revive a expectativa da Ressurreição de Jesus Cristo, o filho de Deus.. A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre pela madrugada.
A RESSURREIÇÃO DE CRISTO é o acontecimento mais importante da humanidade!
A Páscoa Cristã é uma das festividades mais importantes para o cristianismo. De acordo com o calendário cristão, a Páscoa consiste no encerramento da chamada Semana Santa.
Hoje, os costumes mudaram e a Semana Santa se transformou num feriadão igual ao carnaval.
Na praia da Pipa, onde o turismo do Rio Grande do Norte se concentra, os dias da Semana Santa são dias de intensa euforia, festas, danças e muita música eletrônica.
Apesar da banalização dos costumes, os ritos religiosos continuam sendo celebrados na Igreja Católica, durante toda a semana Santa, começando no Domingo de Ramos.
O antigo preceito de jejum de carne vermelha durante a Semana Santa, que é substituída pelo peixe, bacalhau e camarão, continua presente na mesa dos ricos, sejam católicos ou não. Esse hábito se dá por luxo e tradição, dificilmente por religiosidade.
Enfim, os tempos mudaram. O povo mais simples continua frequentando os ritos da Semana Santa nas Igrejas, enquanto os ricos, por comodidade, preferem assistir tudo pela televisão, isso quando não viajam para o turismo religioso.
E a saudade bate forte no meu peito, na Semana Santa. Vejo Dona Lia, minha querida e saudosa Mãe, dando o toque final no feijão de coco, arroz de coco, uma fritada de sardinha com batatinhas, ou um ensopado de bacalhau, com batatinhas e azeite de oliva.
Quanto mais o tempo passa, mais aflora essa saudade. E ninguém tinha morrido.
Violante Pimentel – Escritora
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