A TRAGÉDIA DA CULTURA –
A cultura é a matéria-prima da identidade nacional. Todavia, há de se enfatizar uma triste verdade: os dirigentes brasileiros desprezam o que nos caracteriza, identifica-nos, tudo aquilo que nos torna respeitáveis como povo.
As tragédias do Rio de Janeiro são acrescidas pelo fogo, destruição do Museu Nacional. Com ele, bens culturais inestimáveis, reunidos em mais de dois séculos, inclusive vindos de outras civilizações, desapareceram.
Literalmente, da noite para o dia, tornaram-se cinzas as preciosidades históricas alojadas no palacete da Quinta da Boa Vista, doado por um comerciante para abrigar a família do Príncipe Regente. Tornado Rei do Reino Unido (Portugal, Brasil e Algarves), Dom João VI instituiu o que chamou de Museu Real. Fez reunir acervos valiosos entre os quais o da Casa de História Natural, conhecida como Casa dos Pássaros, criada em 1774.
Com a presença da princesa Leopoldina, vieram da Áustria os sábios naturalistas J. B. Spix e C. F. Von Martius que trabalharam dando suporte científico. Posteriormente, foram secundados pelo francês Saint-Hilaire.
Entre 1808 e 1821, o palacete serviu de moradia aos três reis do Brasil. A princesa Isabel brincou em seus corredores. Lá, Dom Pedro I assinou a Declaração de Independência do Brasil.
Foram consumidas pela chama a coleção da indumentária festiva dos indígenas brasileiros, os doze mil anos do crânio de “Luzia”, encontrado na Lagoa Santa, a mais antiga prova da presença humana nas Américas, o esqueleto completo do primeiro dinossauro, reconstituído, múmias egípcias que eram protegidas por pirâmides.
Tornou-se cinza a mais antiga instituição científica do Brasil. É a maior tragédia cultural da nossa História. Tudo foi decorrendo do desprezo pela cultura. Não houve recursos para adaptar o prédio aos tempos da eletricidade, as paredes estavam carcomidas e a fiação elétrica aparente. A Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ não teve verbas para manter e muito menos para restaurar o desgaste temporal. Nada foi feito para prevenir a previsível destruição. Verdade que no BNDES havia sido previsto o aporte de 21 milhões de reais para ser usado na recuperação do Museu.
O que sobrou da catástrofe? Além dos estudos e pesquisas realizados por especialistas universitários e a memória dos visitantes, sobraram a fachada do prédio, alguns itens dos 20 milhões do acervo, e o meteorito Bendegó que pesa 5,36 toneladas e tem 4.6 bilhões de anos. O fogo respeitou a pedra.
Não é novidade um incêndio destruidor de obras históricas, cientificas e artísticas no Brasil. Entre elas, as de autoria de Matisse, Picasso e Salvador Dali, que se perderam no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, as centenárias cobras tropicais do Butantã, o Museu paulista da Língua Portuguesa que mostrava ao País a obra de Câmara Cascudo.
Todo mundo sabe que não adianta chorar o leite derramado, menos o ministro que anunciou a imediata restauração. Não há mais como restaurar a memória do patrimônio histórico, antropológico, etnográfico, paleontológica. Não adianta culpar os hidrantes sem água, porque a falta de logística, infelizmente, é um predicado brasileiro.
A tragédia da cultura só terminará quando o Brasil tiver dirigentes responsáveis.
Diógenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN