A TRAGÉDIA DO GULLIVER –

Ouço a toda hora reiterados elogios à nossa vizinha, João Pessoa, onde o turismo aumentou bastante e a tornou um dos destinos preferenciais de nordestinos e de brasileiros de outras regiões. Pudera. Bons hotéis, bons restaurantes, variadas atrações e boa acolhida aos que procuram visitar a cidade apelidada “Porta do Sol”, decerto contribuíram para alavancar o conceito da capital da Paraíba ao nível atual.

É falar em João Pessoa e me vem à lembrança “A tragédia do Gulliver”, episódio de repercussão nacional que marcaria a vida do então governador da Paraíba, Ronaldo José da Cunha Lima. O fato aconteceu no dia 5 de novembro de 1993, quando Ronaldo tentou eliminar a tiros o ex-governador de seu estado, o jurista, escritor e professor, Tarcísio Burity. O palco do atentado foi o restaurante Gulliver, situado no bairro Tambaú.

Os projéteis disparados ocorreram em reação a supostas críticas que Burity fizera ao filho de Ronaldo – Cássio Cunha Lima, na época superintendente da SUDENE -, em entrevista concedida minutos antes para uma emissora de TV da capital.

Burity sobreviveu aos tiros, embora tenha ficado alguns dias em coma. Os ferimentos lhe causaram outros problemas de saúde e, dez anos após o atentado, em 8 de julho de 2003, ele morreu de falência múltipla de órgãos. Ronaldo Cunha Lima pereceu aos 76 anos, no dia 7 de julho de 2012, em João Pessoa, de um câncer no pulmão. Foi noticiado que antes de falecer Burity perdoou o seu agressor.

Ronaldo, advogado, escritor e político (governador, senador e deputado federal e estadual), foi um grande poeta e boêmio com mais de 30 livros publicados. Lembro aqui trechos de sua festejada petição em versos ao juiz de uma Comarca, na Paraíba, solicitando a liberação de um violão, denominada Habeas Pinho:

 “O instrumento do crime que se arrola/Neste processo de contravenção/Não é faca, revolver nem pistola/É simplesmente doutor, um violão.

 Um violão, doutor que na verdade/Não matou nem feriu um cidadão/Feriu, sim, a sensibilidade/De quem o ouviu vibrar na solidão. E mais adiante:

…Liberte o violão Doutor Juiz/Em nome da Justiça e do Direito/É crime, porventura, o infeliz/Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, afinal, será pecado/Será delito de tão vis horrores/Perambular na rua um desgraçado/Derramando nas praças suas dores?

Mande, pois, libertá-lo da agonia/(a consciência assim insinua)/Não sufoque o cantar que vem da rua/Que vem da noite para saudar o dia.

 É o apelo que aqui lhe dirigimos/Na certeza do seu acolhimento/Juntada desta aos autos nós pedimos/E pedimos, enfim, deferimento.”

Sensível à petição poética o doutor juiz assim respondeu ao apelante:

“Recebo a petição escrita em verso/E, despachando-a sem autuação/Verbero o ato vil, rude e perverso/Que prende, no Cartório, um violão.

…Se grato for, acaso ao que lhe fiz/Noite de luz, plena madrugada/Venha tocar à porta do Juiz.”

O atentado acima relatado serviu de mote para a criatividade de um dos muitos artistas populares paraibanos interpretar a tragédia do Gulliver, utilizando marcas diversas de whiskies. Eis o trecho final da tragicômica montagem:

“…Dimple…Dimple…Dimple… Atingido pelos três disparos do Ballantines de seu desafeto, o Teacher, Burity, gravemente ferido balbuciou: É Drurys fazer política na Paraíba!”

 

 

 

 

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro Civil

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