ADÁGIO: CACHORRO VELHO NÃO LATE À TOA –
O tempo passa, as coisas mudam e, por sorte ou preceitos de Deus, cada pedra encontra seu lugar, apesar dos sacolejos que a vida dá… dedilho sobre o papel alguns pensamentos desconexos, olho a vegetação em volta, enquanto o carro segue seu destino. As terras de solo rachado do Trairi se confundem com os galhos secos das árvores que resistem à beira da estrada do sertão do Seridó. No alto das colinas avisto pequenas casas espaçadas umas das outras, todas com seus reservatórios de água, cisternas projetadas para captar as águas das chuvas, quando estas entendem de cair e molhar o solo encharcado pela secura dos invernos.
Avisto da janela do carro pequenas casas, pedaços de terra bem cuidados por gente simples, que cultiva, além do milho e feijão, valores e princípios passados de geração em geração, povo bravo que traz no olhar capengante as marcas do estéril campo, que anseia por ver brotar sonhos e palmas, aipins e desejos que o céu chore suas dores e transforme o chão cinza no verde da esperança sertaneja.
O carro pipa passa por nós, imagino quantos dias de sossego terá o dono daquela pequena casa no alto da colina, imagino a gratidão dos bichos, do animal de estimação que ajuda a tanger o gado, das plantas que anseiam por serem regadas, da esposa que espera água potável para fazer o almoço da família.
Nesse instante, acaricio a manta do ressurgimento, empolado na memória das lembranças, do terraço de cimento queimado e batentes de alvenaria da casa grande da fazenda do meu avô. Lembro das cadeiras de balanço e tamboretes de madeira espalhados pelo terraço espaçoso que tomava a frente e lateral da casa, de ponta a ponta, à espera do fim do dia para acolher alguns vizinhos e moradores dos arredores, em meio a família que ali residia, para prosear, contar causos, tocar cavaquinho e tomar café fresquinho passado na hora da resenha.
Como diz o poeta: “O tempo não para!” …A resistência das juremas, que passam apressadamente pelas minhas vistas, do lado de fora do carro, nos ensinam que mesmo com todas as intempéries da vida, mesmo com todos os percalços e perdas, mesmo com todas as incógnitas dos porquês da vida, das escolhas e consequências, vale a pena sentar no terraço, ver seu pequeno cão ao seu lado, lembrando-lhe que tudo é passageiro e só a persistência, determinação e esperança faz com que nos tornemos melhores e mais floridos nos tempos de chuva.
Flávia Arruda- Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência, [email protected]