AINDA RESPIRAMOS VIDAS SÊCAS –
Atualmente, elaborar laudos periciais é uma de minhas muitas atividades. Nomeado pela autoridade maior, assumo a responsabilidade de relatar a situação geradora da polêmica, com a maior precisão possível objetivando seguir à risca o texto da lei onde está estabelecido ser o perito, “os olhos e os ouvidos do juiz”. Assim, fui eu cumprir a tarefa, em uma das muitas linhas de ônibus existentes em Maceió.
Desacostumado em realizar périplos nos transportes coletivos da cidade, ao embarcar estava consciente dos problemas existentes, devendo, contudo, encarar o fato como uma aventura passageira, além de ganhar atributos para me desgarrar da rotina do automóvel, com a qual estou afeito habitualmente.
No interior do veículo, já vivenciando o ruge-ruge dos usuários, pude me conscientizar de, para a totalidade dos mesmos, aquela situação, ser quase uma arte. Uns conversavam, outros traquinavam no celular, alguns encostavam no mais próximo, não sei de boa ou duvidosa fé, mas todos pareciam felizes por cumprir o trajeto desejado.
Finalmente, sobrou uma cadeira, na qual rapidamente me sentei, menos pelo cansaço, mas para assim me livrar do permanente “esfrega/esfrega” tão comum nas grandes lotações. Já acomodado notei, a meu lado, um menino de aproximadamente quinze anos, lendo um livro durante o percurso. Ao atentar para o cabeçalho de uma das páginas verifiquei tratar-se de Vidas Secas.
O jovem, em determinado momento da viagem, me olhando, questionou: já leu? Respondi, positivamente com a cabeça. O garoto retrucou: adoro os personagens Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais novo e o mais velho, além da cachorra Baleia, mas o que acho bacana mesmo é Graciliano Ramos, o autor. Considero-o escritor muito inteligente por haver conseguido escrever uma história a acontecer muito tempo depois de sua morte. Ainda ontem vi, na televisão, situação igual descrita no século passado.
Horas depois já tendo cumprido a minha tarefa oficial, não esqueci do jovem leitor e lembrei quando, em sua idade, ao ler livros de contos infantis, me transportava de corpo e alma para os cenários lidos. Adorava passear na Terra do Nunca e, voando com Peter Pan, convivia com seus revezes e vitórias. Foi quando meu pensamento aterrissou nos dias atuais e pensei no Brasil de hoje onde, ainda como mostrado em Vidas Secas, a imperfeição parece tomar conta da realidade, fazendo valer a máxima de que como em uma corrente, somos tão frágeis quanto nossos elos mais fracos.
Os brasileiros são bons em sua essência. Mas é fato, precisarmos não cultivar eufemismos e preconceito buscando forças para tornar todo o tipo de privilégios algo imoral, e, por fim, fomentar o desejo ardente de um futuro decente e honesto para todos, principalmente tendo a certeza de podermos, sim, ser tão fortes quanto nossos elos mais robustos. É somente querermos.
Alberto Rostand Lanverly – Presidente da Academia Alagoana de Letras
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