AINDA TENHO UM SONHO –
“Lutar contra tudo o que ofenda a dignidade humana é obrigação de todos nós. Sem sonhar, nada acontece”. (Oscar Niemayer)
Quando eu era jovem acreditava que os sonhos se tornavam realidade. Agora, continuo procurando a Estrela da Manhã, mas o céu está carregado de nuvens escuras, como se estivéssemos numa viagem sem destino e sem mapa. Parece que a realidade está invertida, como se fora fantasia ou imaginação.
Após queimar parte da massa cinzenta, creio que estou quase encontrando a trilha para tentar entender o teatro político atual, cujo elenco principal encontra-se em Brasília.
É possível encontrar subsídios para entender esse fenômeno no livro “O Pós-Modernismo” de Ana Mae Barbosa e Jacó Guinsburg, publicado pela Editora Perspectiva. Talvez encontremos ali luzes para compreender o mensalão e a lava-jato.
A cartilha pós-modernista afirma que tudo é permitido, nada é proibido, inclusive chafurdar na realidade, seja ela política, social, econômica ou cultural, individual ou coletiva, praticando todo o tipo de mestiçagem libertina ou libertária. “Tudo é descartável e inútil”, afirmam os pós-modernos. Agora, já se fala até em “pós-verdade”, esta – sim – é quem dita hoje as tendências e as opiniões de todos nós. Será?
Até porque quem governa não está no poder, e o poder real não está no governo. No patropi é assim.
O “bandido” desconstruiu o “herói sem caráter”, num espetáculo extraordinário. Diariamente, assistimos à verdade da mentira. Em outras palavras, por motivos estranhos, a mentira acabou-se revelando ser a verdade. E cada um forma a sua opinião instantânea, volátil.
Nessa realidade fantástica, em ninguém existe a preocupação se é verdadeiro ou falso o que se afirma. Trabalha-se com a verossimilhança (de verossímil), aquilo que parece ou pode vir a ser verdade.
Verdades ou mentiras já não significam mais nada, nem interessa ao telespectador nem ao internauta. O que importa e hipnotiza é o espetáculo em si, não a verdade.
Percebo um descolamento da realidade que não se confunde com o cultivo de utopias, o qual – antigamente – fazia parte da atividade política, quando ainda “ardia em mim o fogo ingênuo da paixão”.
Hoje, restou apenas um imenso delírio coletivo, no qual o consumismo e o endividamento das famílias são considerados como o surgimento de uma “nova classe média”. Sem qualquer contestação.
Ou seja, encena-se o tempo todo e, assim como na arte pós-moderna, só interessa o que chega à mídia ou ao Facebook. Para completar o entendimento, o valor dominante hoje no patropi, na sociedade sob a hegemonia do deus-mercado, pode ser traduzido por uma palavra: dinheiro.
Por ele, pode-se tudo: negociar a Dignidade, o corpo, a mente, a Liberdade. Em nome do dinheiro, tudo se transforma em mercadoria: os ideais, as crenças, as esperanças, o futuro das novas gerações, tudo.
Tempo da corrupção generalizada, da venalidade, da banalização da vida, da lassidão moral; o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, é levada ao mercado para ser apreciado por seu valor ou preço, reforçando o individualismo do “salve-se quem puder”.
É a Lei do “deve-se levar vantagem em tudo”.
A mídia e as redes sociais também trabalham com a verossimilhança. Daí as notícias ligadas ao espetáculo correrem como rastilho de pólvora. Aumentam a audiência e a venda de anúncios, aumentam o lucro. E são esquecidas na mesma velocidade. A amnésia coletiva virou epidemia.
Pergunto: será que já não está mais do que na hora de quebrar o silêncio e fazer escolhas; de mostrar que o rei e a rainha estão nus, de resgatar a ética na política, atuar claramente em defesa dos trabalhadores, das crianças, dos jovens, das mulheres, dos negros, dos excluídos, dos oprimidos em geral e das instituições republicanas, sem as quais não há perspectivas de desenvolvimento civilizatório?
Será que não é preciso e urgente desarquivar as “velhas” ideias que animaram o Iluminismo?
Lembram? Liberdade, Igualdade e Fraternidade foram lemas do nascimento da sociedade moderna. Parece que os esquecemos, ao nos desviar do papel de cidadãos para o de consumidores.
Ainda tenho um sonho. Oxalá, e esse é o maior dos oxalás, esta crise seja sinônimo de oportunidade.
Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
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