AIPIM É MACAXEIRA –

A convite de um amigo, visitei há alguns anos, aqui em Natal, a casa de um senhor do Rio de Janeiro que, entre outros assuntos, fez referências à culinária nordestina. Com elogios a alguns pratos tradicionais, como a tapioca, o cuscuz e, naturalmente, a carne-de-sol, também criticou negativamente alguns hábitos da nossa cozinha e das nossas tradições. Reclamou da maneira como muitos fritamos ovos, como temperamos as carnes, como tomamos café e até a forma como, a que horas e em que situações bebemos água. Revelou-se um chato pretensioso e fez desfilar uma arrogância típica de muitos sulistas que nos tratam como eternos carentes dos ensinamentos, hábitos e modos de vida dos habitantes dos estados economicamente mais desenvolvidos. E, em pleno século 21, ainda cultiva o antigo e já ultrapassado costume de zombar dos nomes de frutos e alimentos que historicamente fazem parte das nossas tradições: que laranja-cravo no Sul é bergamota ou tangerina; que aquela raiz é aipim e não macaxeira; jerimum é o nome errado da abóbora; que mungunzá é estranho, o correto é canjica [que para nós é um outro e delicioso prato]. E carregando no sotaque irritante e cheio de xis, repetia o que eu já ouvira de outros chatos iguais: “Vocês aqui têm umas coisas que não dá pra entender!”

Eu respeitaria suas opiniões se possuíssem um mínimo de informação a respeito das tradições urbanas e sociais que caracterizam povos e culturas no Brasil e no exterior. Cada povo tem a sua maneira de falar, de viver. A herança cultural de um país ou de uma região não pode ser aviltada ou desmerecida na presença ou sob a influência de outra, pretensamente mais forte ou economicamente poderosa. Porém, de alguma forma, ainda subsiste um pouco desse ranço que marcou as relações do sulista com o nordestino, desde a época em que nós, dependentes econômicos, exportávamos mão-de-obra barata, buscando uma vida melhor, carentes de afirmação social. Íamos para São Paulo buscando trabalho, tratados como baianos, ou para o Rio de Janeiro, alcunhados de paraíbas e paus-de-arara, generalizações convenientes para o exercício do deboche e da discriminação.

O sulista desinformado ou mal intencionado tem que saber ou lembrar dos trabalhadores que ajudaram a construir o Brasil e é forçado a respeitar os expoentes da cultura nacional oriundos do Nordeste. Se houvesse interesse, prestaria reverência a Luís da Câmara Cascudo, José Américo de Almeida, José Lins do Rêgo, Rachel de Queiroz, João Ubaldo Ribeiro, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, entre nomes do porte de Castro Alves, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Gonçalves Dias; e não veria em Ariano Suassuna, sábio e douto, apenas um irreverente contador de histórias. E Augusto dos Anjos, Nísia Floresta, Tobias Barreto, Lêdo Ivo, Ferreira Gullar? E a contribuição intelectual do filósofo Paulo Freire, eminente e influente educador, pernambucano, cujo nome e obra gozam de prestígio internacional? O Brasil inteiro se delicia ao som da música de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Hermeto Pascoal, Jackson do Pandeiro, Chico César, Geraldo Azevedo, Fagner, Zeca Baleiro, Alceu Valença, Djavan, Caetano Veloso, Gilberto Gil; todos reconhecem o talento e as vozes de Gal Costa, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Simone, Alcione, talvez sem lembrar que são nordestinos, contribuidores e produtores da melhor cultura musical brasileira.

Ainda pertencemos, com orgulho e destaque, à vida do país. Atualizados, modernos, em constante desenvolvimento, porém firmes na nossa tradição; dançando um forró, ao som do xaxado e do baião, chupando laranja-cravo e comendo canjica e mungunzá; a abóbora será sempre jerimum, da mesma forma que o aipim continuará sendo a nossa útil, saborosa e versátil macaxeira.

 

 

 

 

Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais

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