Carlos Alberto Josuá Costa
“A metade do trabalho que se faz neste mundo é para fazer as coisas parecerem como elas realmente não são”. (Elias Rost Beadle)
O caminhão baú estacionado próximo ao elevador de serviço do condomínio, dava clara demonstração de que uma mudança estava acontecendo. Parte dos móveis estava acomodada e outra parte, juntamente com algumas bugigangas, estava espalhada pelo hall de entrada.
– Lucas essa mudança está chegando ou está saindo? Ele num reflexo mental apontou para uma moldura vazia, provavelmente de algum quadro e taxativamente respondeu: “- Tá saindo, vovô. É lá do quinto andar”.
A razão pela qual a resposta foi certeira deveu-se ao reconhecimento da tal moldura que estava acostumado a observar, no apartamento de seu coleguinha.
Não tive com não imaginar a sensação de liberdade que possivelmente a fotografia ou a paisagem estava experimentando por ter sido desmoldurada.
Certamente também temos molduras que aprisionam algumas de nossas atitudes, sentimentos e emoções, pelo envolvimento egoísta da indiferença e da falta de amor, como que intocáveis pela invisibilidade que nos acondiciona.
Na galeria da vida diversas situações nos fizeram seguros pela proteção de alguma espécie de moldura. Algumas delas provisórias, outras tão definitivas, que até hoje não somos capazes de dispensá-las. São as molduras da confiança, da esperteza, da fé, da comodidade, da esperança e mesmo do medo de encontrar a liberdade de falsos sentimentos.
Ali estamos quietinhos, tal qual uma pintura de uma águia, que por mais bela que seja nunca alçará voo, pois mesmo que adquirisse vida, estaria contida por uma moldura tão bela quanto.
Não fomos feitos para sermos emoldurados pela preguiça, pela falta de ânimo, pelo desprezo, pela incompetência, pela insensatez. Antes de enobrecer as galerias com nossos semblantes, temos uma luta ferrenha em tornar a vida digna de vitória pelo cumprimento da missão designada pelo Pai.
Sermos seres à imagem e semelhança de Deus exige de nós, expansão de gestos criativos e ações que contribuam para um mundo mais justo, solidário e provedor de oportunidades para todos.
Precisamos agir com decisão, persistência e coragem, pela prática diária do bem, convictos de que enquanto não somos emoldurados, temos que avançar resolutamente em direção àquilo que sentimos ser a nossa missão.
Os museus guardam em suas paredes, molduras de personagens que já contribuíram com seus dons, para que hoje possamos admirá-los como incentivadores da concretização dos nossos ideais.
Amanhã, quem sabe, também não estaremos emoldurados numa sala qualquer, porém certos que aquela moldura apenas é um entorno esculpido, mas que enquanto latentes, fomos livres e desmoldurados pela constância da busca em realização de algo positivo.
Ah! Se os rios, os barcos, os pássaros, as flores, as crianças, os sorrisos, pudessem sair das molduras e voltar a encantar a vida.
Não podemos também assim desprezar a moldura vazia, pois nela há além do que se vê: sentimento, cuidado, emoção, vivência, e proteção que outrora desempenhou.
Se pudéssemos, no “salão dourado”, receber aqueles encerrados pelas molduras para uma conversa, certamente muito teríamos a aprender sobre o quanto foram significativos em suas missões.
Quantos não eternizaram sentimentos que nunca foram correspondidos, amores e sorrisos não retornados, lágrimas derramadas sem um afago.
Enquanto alguns se apegam à beleza da moldura, outros talvez estejam com o grito sufocado pedindo para tirá-los dali, para livrá-los daquele entorno que limita seus rastros daquilo que foram um dia.
Temos também as molduras invisíveis, que são aquelas quando conhecemos uma pessoa e emolduramos a imagem que dela fazemos, com rótulos prematuros, sem antes interagirmos com sua história de vida.
O tempo e as escolhas que fazemos vão delineando a moldura que será utilizada em favor de nossa memória. Mas enquanto não é decidido o tipo, o entalhamento, se prateada ou dourada, cuidemos em deixar de lado os excessos que nos contaminam de vaidades e futilidades.
Deixemos que os outros enxerguem em mim e em você o que há de melhor: afeto e generosidade.
Certamente, seremos encerrados na mais bela moldura: a da gratidão.
Portanto, tenhamos em mente que tudo na vida está além do que se vê!
Carlos Alberto Josuá Costa, Engenheiro Civil e Consultor (josuacosta@uol.com.br)
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