AMIGOS FIÉIS –
Um amigo que você pouco vê, mas tem por ele um enorme carinho. Quando se encontram é o maior deleite, a maior alegria, grande felicidade. Existem – e eu tenho – vários amigos assim, cuja presença alegra e torna prazeroso qualquer encontro. Porém, neste momento, estou falando dos meus LPs. Um amor antigo, uma amizade velha. Mas funciona que é uma beleza.
Mesmo não sendo um acumulador, tenho dificuldade em desfazer-me das minhas pequenas coisas, pelo menos aquelas que em algum instante da vida me trouxeram prazeres e alegrias. Com meus livros e discos é exatamente assim. Meus acervos não são grandes e a quantidade desses bens culturais chega a ser ínfima, em relação a alguns colecionadores dos quais temos notícia e que são conhecidos pelo tamanho das suas bibliotecas e discotecas.
Lembro que o doutor Otto de Brito Guerra, intelectual de Natal, possuía (e agora está com a família) um acervo de muitos livros. Para falar nos discos, o doutor Gracio Barbalho era conhecido no Brasil inteiro pela sua coleção de discos 78 rotações. São dois exemplos.
Mas, voltemos aos meus amigos.
Embora tendo acesso a praticamente todas as mídias disponíveis para se ouvir música, faço questão de, vez por outra, ligar a minha vitrola, a minha radiola e fazer rodar alguma preciosidade, alguma coletânea nos meus queridos Long Plays. Filhos e netos respeitam essa preferência, porém já fizeram comentários sobre o trabalho que há em puxar o LP da prateleira, retirá-lo da capa, passar uma flanela, ligar o toca-disco, acionar o prato, dirigir a agulha e só então começar a ouvir a música.
Dá trabalho?
Talvez para quem não tenha – ou não vê – tempo disponível para saborear um instante sagrado. Ver um disco rodando, os sulcos brilhando, a agulha vibrando e produzindo música, remete àquele dia em que o meu pai, orgulhoso e feliz, entrou em casa com dois LPs. Um era José Menezes e seu Conjunto e o outro, Juca Chaves, quase menino, cantando modinhas, e um 78, de um tal Jacinto Silva, para tocar na recém-comprada radiola ABC, substituta do nosso antigo rádio Semp, aquele que enchia a sala com a audição das novelas, do futebol e dos programas da Rádio Poti. Agora, tínhamos também os nossos três primeiros, preciosos e disputados discos, que rodaram a exaustão, até que pudéssemos comprar outros títulos.
Pois, desde aquelas pioneiras rotações, o meu amor pelos discos nunca murchou, pelo contrário. Já experimentamos momentos de maior envolvimento, é verdade. As novas mídias, os passes de mágica que são os novos recursos tecnológicos, esses que nos permitem ouvir o que quisermos, aonde e na hora em que acharmos por bem ouvir provocam ciúmes nos meus “bolachões”.
Eles estão sempre reagindo, e quando me descuido, de um lugar de destaque na estante Ângela Maria me olha, me chama com voz de “Cinderela”, não aceita “Recusa”, e com “Lábios de Mel”, lamenta: “Não tenho Você”. Nelson Gonçalves, emburrado, clama pela “Volta do Boêmio” e relembra a “Deusa do Asfalto”, quase com “Revolta”. Cauby Peixoto me cita o “Nono Mandamento”, enquanto espera por sua “Conceição”. Valdir Azevedo espalha “Pedacinhos do Céu”, provando ser um “Delicado” “Brasileirinho”. Aqui e acolá, um erudito quer também mostrar-se. Vivaldi, Chopin, Haendel, Rachmaninov, disputam a minha atenção. Mas têm que lutar com Gardel, o maior do tango, com Bienvenido Granda, Lucho Gatica, Trio Los Panchos e com tantas orquestras e conjuntos que também imprimiram em vinil e acetato os seus sucessos.
Mas procuro não fazer distinção. Considero todos no mesmo nível, merecedores da minha predileção. Nas suas capas, na prateleira ou na vitrola, para mim os artistas são iguais. E sei que eles me entendem e respeitam. Sinto-me feliz assim, porque os cantores, compositores, conjuntos e orquestras que habitam os meus LPs até agora têm sobejamente provado que continuam grandes amigos. Meus amigos Fiéis.
Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais