20 de fevereiro de 1925 nascia em Natal o menino Antônio Guedes Fonseca, filho do barbeiro Joaquim Guedes da Fonseca e Rita Batista, tendo como avós paternos o também barbeiro Antônio Guedes Fonseca da Câmara e Vicência Rodrigues da Fonseca e avós maternos os agricultores Joaquim Batista da Costa e Isabel Batista da Costa.
Teve uma infância muito pobre. Seu pai era vigia do Morro em Tirol e barbeiro, profissão que aprendera com seu pai. Antônio Guedes teve poucas oportunidades de estudar, fez o primário no grupo João Tibúrcio e não pode continuar sua educação formal pela dificuldade financeira que sua família passava naqueles duros anos. O seu pai o obrigava a aprender o oficio de barbeiro, pois achava que ele tinha que ter uma profissão, muito embora, “Toinho Guedes”, como era conhecido, desejasse ter dado continuidade aos estudos e, talvez, se formar em Direito, que ele tanto admirava, mas o destino não quis. Ainda jovem veio o golpe que mudou sua vida, aos 16 anos ele perde seu pai, Joaquim. Com esse duro golpe a situação piorou muito, sem estudo e ainda menino, teve que alterar sua idade para tentar entrar no exército brasileiro, não sei como ele fez mas conseguiu. O primeiro passo quando chegou foi procurar ajuda na barbearia do exército para exercer o oficio que havia aprendido, ainda que de forma bastante amadora, porém já tinham dois barbeiros o que tornou difícil sua entrada para exercer tal oficio. Descobriu, porém, a existência do barbeiro dos oficiais, um francês naturalizado brasileiro chamado Pierre e tão logo foi ao seu encontro, contou-lhe sua história e pediu ajuda para aperfeiçoar sua técnica. De cara Toinho conquistou a simpatia do francês que lhe disse “Você vai ser o melhor barbeiro desta cidade”. Após esta conversa Pierre foi até seu comandante e pediu que Antônio fosse designado para ser seu auxiliar e assim aconteceu. Depois das atividades obrigacionais do exército, Antônio se dirigia à barbearia dos oficiais e aprendia com muita atenção os ensinamentos de seu mestre e mentor profissional.
Naquela época geralmente os barbeiros eram homens com uma idade avançada e cansados e demoravam bastante para cortar um cabelo, enquanto o francês Pierre, no auge dos seus trinta anos, era rápido e cirúrgico na arte das tesouras e navalhas, fato que o tornava o barbeiro preferido dos oficiais. Logo, Pierre, passou para Antônio Guedes, toda sua técnica com maestria, o que fez com que Toinho se apaixonasse completamente por esta profissão. Meses depois veio seu segundo golpe, um violento infarto mata seu segundo mestre, aquele que efetivamente lhe ensinou todos os movimentos e formas de se tornar um mestre das tesouras. Contava Toinho, com grande orgulho, que meses depois da morte de seu professor, quando passou a ocupar seu lugar na barbearia dos oficiais, o capitão foi até ele com a seguinte ordem: Guedes, amanhã vai se formar uma turma e eu quero todos de cabelo cortado até o final do dia, certo? e de pronto foi respondido Certo, Senhor! Quantos homens são?!, 85 homens, respondeu o capitão, você começa às 5h da manhã e as 17h é a formatura…bom só restou a Toinho lhe pedir que liberasse um outro soldado para lhe ajudar, o que foi logo aceito pelo capitão, mas tem um pequeno detalha que não pode escapar, a máquina de cortar cabelo era manual, mas com o senso de responsabilidade e conhecimento que aprendeu com seus dois mestres, o pai e Pierre, não contou conversa, às 5h da manhã estava lá no batente, ele passava a máquina e seu ajudante fazia o pé do cabelo com a navalha, de maneira que às 16h30 ele cortou o ultimo cabelo, isso lhe rendeu uma satisfação pessoal imensa, visto que havia batido seu recorde em toda sua vida e ainda uma folga de três dias, devido ao inchaço em sua mão. No fim daquele ano ele deixa o exército, após ter cumprido sua obrigação com as forças armadas. Era início dos anos quarenta e já era conhecido como o “barbeiro ligeirinho”, pela forma como cortava um cabelo. Mas, com a responsabilidade de manter sua mãe e os cinco irmãos, foi trabalhar na barbearia São Fernando de um velho barbeiro no Alecrim, próximo à avenida 1, rua da feira. Eram 5 velhos barbeiros e quando Toinho chegou, passou a ser atração da casa, devido a sua rapidez e por causa disso ele dizia que algumas vezes chegava a juntar pessoas na frente da loja para vê-lo trabalhar. Até que um belo dia, quem apareceu de repente foi o governador do estado querendo cortar o cabelo com o tal “ligeirinho”, ora, para Toinho foi a gloria e não se fez de rogado, caprichou no cabelo do ilustre cliente e com isso ganhou a confiança e se manteve como barbeiro oficial dos governadores por todo tempo em que trabalhou, até 2008, ano em que foi acometido por um AVC. Em todos esses anos de exercício apenas 2 governadores não chegaram a fazer o cabelo com ele, Monsenhor Walfredo Gurgel e Dr. Geraldo Melo.
Passados 3 anos nesta barbearia no alecrim, ele montou sua própria barbearia na Av. Princesa Isabel, onde levou para trabalhar com ele seu irmão Pedro Guedes, que alguns anos depois deixou o oficio e foi trabalhar no comercio. Após isso Toinho abriu sua grande barbearia, o famoso Salão Santo Antônio em cima da confeitaria Cirne, na Rua João Pessoa, onde passou muitos anos, até que em 1974, vendeu o Salão e foi gerenciar o Hotel do irmão e ex-colega de profissão. Dois anos depois, Dr. Aluísio Alves, então presidente do Grupo UEB, amigo e padrinho de casamento de Toinho, trouxe algumas industrias para a cidade e entre elas, o Hotel Ducal, como também era cliente de Toinho, mandou lhe chamar no Jornal Tribuna do Norte e deu o ultimato que efetivamente mudou sua vida, disse Aluísio: Antônio, o que você sabe fazer bem é cortar cabelo e você vai ser o barbeiro do Hotel, vá lá e escolha o local para montar sua barbearia. E assim tudo voltou a ser como era antes, sua felicidade voltou. Chegamos ao Ducal em 26.12.1976, um mês depois de sua inauguração e lá permanecemos por 10 anos. Um fato que gostaria que registrar nesta ida para a nova barbearia foi a ida de seu filho Marcus Alexandre, um ótimo barbeiro, jovem e com muita dedicação ao oficio, porem infelizmente o destino mais uma vez se encarregou de lhe dá o terceiro e pior golpe, uma tragédia que marcou a sua vida. Num acidente de moto, Alexandre faleceu, no mês de maio do ano de 1979, nesta época eu já dava sinal que queria continuar essa trajetória de barbeiros na família, mas Toinho diante de tantos infortúnios com pessoas tão próximas, não aceitava a ideia de que eu poderia substituir meu irmão, queria q eu fosse estudar, mas o oficio estava no meu sangue. Lembro-me que já fazia algumas coisas na barbearia, como fazer a barba, lavar cabelo, massagens capilares…enfim, estava determinado a seguir na profissão, mesmo contra a vontade dele. Foi então que me surgiu uma ideia, quando ele ia almoçar eu chamava algumas pessoas que passavam na rua, meninos, pedintes, engraxates e os fazia de cobaia, até que um belo sábado eu tinha acabado de preparar o cabelo engenheiro Geraldo Melo “Gereba” para papai cortar, quando ele disse: Beto, pode cortar meu cabelo!, papai virou e disse: Não doutor, ele não sabe cortar – e eu disse: sim papai, eu sei! Era a minha vez de provar o que havia aprendido e com isso me firmar como uma quarta geração de barbeiro na família. Bom, deu certo, cortei o cabelo e ele aprovou. No fim do dia ele me chamou e perguntou: Meu filho, é isso que você quer realmente? – eu disse sem pestanejar: Sim, papai, é isso que eu quero. Lembro-me da cena, ele com olhos marejados repetiu a frase que outrora ouvira um dia: Então você vai ser o melhor barbeiro da cidade! E me ensinou tudo com uma paciência e dedicação ímpar.
Bom, fiz esse relato por um grande motivo, dia 20 deste mês, papai teria feito 90 anos de idade e na data de hoje faz seis anos de sua passagem para o plano superior e me senti na obrigação de falar um pouco da história desse homem que viveu intensamente apaixonado pela sua profissão, família e amigos. Lembro-me que quando era professor do SENAC, à pedido de Dr. Reginaldo Teófilo, ele foi sem cobrar nada e um dia Dr. Régio, como ele o chamava, disse: Antônio, temos que ver um valor para que eu possa pagar pelos seus serviços de professor. – e ele respondeu: Não precisa me pagar, meu pagamento é não deixar minha profissão se acabar. Esse foi talvez uma das maiores motivações da vida desse grande homem, pai e colega. Se hoje pudesse lhe enviar uma mensagem através da modernidade dessas redes sociais, lhe diria com muita segurança: Meu mestre, passados seis anos sem a sua presença física, sinto diuturnamente sua falta, mas confesso, que não sei se um dia me tornarei o melhor barbeiro desta cidade como o senhor tanto queria, mas posso garantir que enquanto vida tiver, a sua profissão que tanto o senhor amou e se dedicou por mais de sessenta e sete anos continuará, pois a cada dia que abro a sua barbearia me vem a certeza de ter feito a coisa certa. Passados trinta e seis anos no oficio de barbeiro, a cada dia me apaixono mais pelo que eu faço e agradeço muito à Deus ter me permitido ter como colega de trabalho um homem tão generoso, um mestre tão eficiente, um amigo compreensivo e um pai exemplar. Obrigado, Antônio Guedes Fonseca, seus ensinamentos jamais serão esquecidos por mim e até, quem sabe um dia, nos juntaremos, eu, Alexandre, o senhor, meu avô, bisavô e montaremos uma grande barbearia ai no céu.
Beto Guedes – filho
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