APENAS SEISCENTOS GRAMAS –
Encontrei, outro dia, um velho amigo, habitante do interior e saímos para passear na orla da Jatiúca. A praia estava linda, e as ondas pareciam lamber os grãos de areia, deixando-os ainda mais alvos. Entre uma conversa e outra, o experiente “matuto” falou, mais ou menos assim:
– “A essência de um homem autêntico, vem do pai para formar um cidadão e da mãe para lhe dar educação. Então o menino vira alguém de caráter, com muita sinceridade.” E completou: “eu lhe digo, no meu sertão, caráter e honestidade são consequências da criação… conheço famílias que, mesmo sofrendo com a sede e a fome, sem dinheiro, luxo ou sobrenome, criam uma “tuia” de filhos e nenhum vira ladrão.”
Meu pensamento flutuou e, ainda admirando a beleza do Atlântico, concordei com as palavras ouvidas, até porque a experiência me ensinou o mundo não ser um mar de rosas… e, sim, um lugar tão belo quanto sujo, ambiente inspirador, embora cruel, somente colocando o ser humano de joelhos se ele deixar.
Ainda neste diapasão, recordei acontecimentos recentemente vivenciados por mim. Costumeiramente, caminho através das artérias do centro da capital para resolver assuntos de meu interesse. Naquele dia, encantei-me com a qualidade das frutas, legumes, raízes variadas e outros itens, ali ofertados. Exatamente na esquina da Rua do Comercio com o Beco do Moeda, resolvi adquirir três quilos de inhame. O vendedor, extremamente convincente, rapidamente pesou e me entregou o produto.
Chegando em casa, ao aferir a mercadoria adquirido, detectei somente existir ali um quilo e oitocentos gramas, e não o peso pelo qual pagara e imaginava havê-lo trazido. Eu fora roubado.
Sete dias depois, retornei ao mesmo local e, ao aproximar-me, o já meu conhecido ambulante gritou: “freguês forte, veio comprar novamente? Gostou do adquirido na semana passada? Verdadeira “papinha”, um filé de inhame”. Eu respondi: “lógico, vamos lá, desta vez quero também batata doce e macaxeira… três quilos de cada”. “é pra já meu patrão…”, ele bradou, enquanto separava os itens.
Neste momento, segurei um saco de um quilo de arroz, trazido de casa, colocando-o sobre a famigerada balança, na qual o picareta se preparava para pesar minhas compras. Evidentemente, o pêndulo marcador estacionou em seiscentos gramas.
O camelô, como não imaginara minha atitude, tomou um grande susto e imediatamente gritou: “não é esta balança, meu doutô. Esta, quem deixou aqui, foi aquele ladrão que está vendendo no outro lado da rua”. E levantando a camisa, enfiou a mão por dentro das calças retirando da virilha uma outra, dizendo-me tratar-se de uma peça novinha e calibrada. Após pesar meu pacote de arroz, concluí a mesma encontrar-se correta. Pedi, então, fosse usada para despachar meus produtos.
Impressionado com a safadeza, explicita, do cidadão, em torno de uma compra feita, deixei o local, consciente de o larápio, ser, realmente, meu vendedor e não somente, segundo dito por ele próprio, seu vizinho de barraca e, certamente, todos os demais da redondeza.
Alberto Rostand Lanverly – Presidente da Academia Alagoana de Letras