Era 2009 quando o Teatro Sandoval Wanderley, um dos mais tradicionais de Natal, fechava as portas na Avenida Presidente Bandeira, no bairro Alecrim. Desde então, nenhum artista esteve mais naquele palco, que ficou abandonado. Catorze anos depois, o Teatrinho do Povo, como também é chamado, pode estar prestes a voltar a fazer parte da cena cultural de Natal.
O teatro está em obras de requalificação desde o fim de 2022 e a previsão da Secretaria de Cultura de Natal/Fundação Cultura Capitania das Artes (Secult/Funcarte) é de que ele seja reaberto em novembro, estando incluído já na programação do Natal em Natal, no mês seguinte.
Apesar de não detalhar em que ponto a restruturação se encontra no momento, a pasta garante que “as obras estão caminhando dentro do cronograma”, segundo explica o secretário de cultura de Natal, Dácio Galvão.
“A equipe da secretaria vem se reunindo semanalmente com a Secretaria de Planejamento e STTU [Secretaria de Mobilidade Urbana] no sentido de monitorar junto a construtora o andamento passo a passo dessa conclusão”, garante Dácio.
“A nossa crença é que, dentro da nossa edição do Natal em Natal , além da inauguração, estaremos oferecendo à cidade, para além da programação da grade diversa que a cidade está acostumada a receber todos os anos, esse acréscimo fundamental que é a inclusão do Teatro Sandoval Wanderley como casa de espetáculo, que estará vivo e atuante”, disse o secretário.
De acordo com a pasta, a obra do teatro, que é declarado desde 2017 como patrimônio imaterial de Natal, está orçada em cerca de R$ 6 milhões.
Presidente da Frente Parlamentar da Câmara Municipal de Natal, a vereadora Brisa Bracchi (PT) fez uma visita de fiscalização ao local no início de julho, ao lado de uma equipe técnica, e disse que “as obras já estão caminhando, sendo possível que o prazo do fim do ano seja cumprido”.
“A preocupação de agora está nas alterações da cobertura do teatro e em questões que, consequentemente, afetam a iluminação e o uso do equipamento durante o dia”, afirmou a vereadora.
A arquiteta Débora Mendes, responsável pelo projeto arquitetônico de requalificação do Teatro Sandoval Wanderley, acompanhou a visita e disse que a etapa de alvenaria estava adiantada, tendo sido feitas as demolições necessárias e levantadas paredes para as novas divisões do espaço.
Mais de uma década fechada trouxe um cenário desolador ao teatro, que já foi palco de grupos e artistas locais e nacionais de renome.
“O tempo que o teatro se encontrou fechado fez com o que ele ficasse numa situação bem precária. Não tinha nem iluminação mais no teatro”, contou a arquiteta e urbanista Débora Mendes.
Débora elaborou a obra de requalificação do teatro no trabalho de conclusão de curso da universidade. O projeto ganhou força nas redes sociais após compartilhamento de amigos e chegou à prefeitura, que a convidou para apresentar a proposta, que acabou sendo doada por ela.
Para o trabalho, ela visitou o teatro no momento de abadono, em que não havia perspectivas de reforma.
“O assoalho da sala de espetáculos, por exemplo, estava bem degradado. As paredes, algumas esquadrias, estavam danificadas. Ele estava bem sofrido”, pontuou.
O novo projeto vai promover mudanças no Teatro Sandoval Wanderley, sobretudo, no primeiro pavimento. Nos outros dois, inclusive no salão de apresentações, as mudanças serão menos drásticas, segundo a arquiteta, onde vai se manter a ideia de teatro de arena. Outra parte que será preservada é a fachada histórica do teatro.
“No aspecto material do patrimônio do teatro, o que marca é realmente a fachada, os aspectos externos, que serão preservados sim. A gente só vai fazer alguns detalhes na fachada, que vão trazer uma harmonia melhor”, explicou Débora.
Segundo a arquiteta, serão mantidos a fachada, a rampa e o pórtico de entrada. “A gente quis manter esse elemento de caracterização do teatro”.
Ela explica que para além do valor material do teatro, há um valor imaterial do que foi construído, que é “o que sustenta essa história do teatro”.
“No aspecto patrimonial, a gente tem um edifício moderno, com características bem marcantes desse movimento”, disse.
As principais mudanças, segundo a arquiteta responsável pelo projeto, serão no primeiro pavimento.
Débora Mendes explica que uma demanda cobrada que será atendida no teatro é um espaço de alimentação. “Vai ter um café no térreo, onde também vai ter uma sala multiuso, que é uma sala um pouco mais ampla para atividades diversas, além de outros ambientes mais comuns”, explicou.
Gargalos da antiga estrutura, como acessibilidade em acesso e banheiros, e saídas de emergência também terão os problemas solucionados. Para levar do primeiro ao segundo pavimento, onde ocorrem os espetáculos, será instalada uma plataforma.
“No segundo pavimento, que é a sala de espetáculos, a gente segue mais ou menos da mesma forma. O que foi feito foi adaptação a nivel de acessibilidade e segurança”, explicou.
A arquiteta explica que um pedaço de um terreno ao lado, doado pelo governo do Estado, também será requalificado. Ele servirá como ambiente para espetáculos externos, ao ar livre, área de convivência e também cumpre um papel nas saídas de emergência.
“Ele também vai servir de uma rota de fuga, porque a gente tem saída direto pra rua ali no nível da sala de espetáculos”, pontuou.
Um dos pontos alterados do projeto inicial da arquiteta foi em relação ao teto do teatro, que seria um telhado reversível. “Uma trama de telhas termoacústicas, que abririam e fechariam se a gente quisesse ter um espetáculo com contato direto a céu aberto”. Agora o projeto prevê uma clarabóia.
O secretário de cultura de Natal, Dácio Galvão, disse que a classe teatral da capital vai participar dos encaminhamentos que o Teatro Sandoval Wanderley terá após ser reinaugurado.
“Eles deverão participar brevíssimamente de uma ação horizontal, onde democraticamente vamos construir as pautas, inclusive relacionadas ao funcionamento da casa teatral e com isso ter uma participação direta e efetiva daqueles que fazem o teatro da cidade de Natal”, garantiu.
Para o diretor do Teatro Sandoval Wanderley, o ator e diretor Lenilton Teixeira, o espaço será importante como um espaço mais democrático para artistas e também para o público.
“A ideia é que ele posssa ter uma pauta de acessível ao público. A volta é muito importante , é significativa, para abraçar esses grupos de teatro, dança, música, que vão ter esse espaço aberto”, disse.
“Eu creio que vai ser importante para preencher essa carência nesse cenário, e é também uma devolução histórica daquele espaço”, reforça.
O teatro terá capacidade para aproximadamente 150 pessoas acompanharem os espetáculos. A área doada pelo governo, que era antes uma espécie de beco entre a Escola Estadual João Tibúrcio e que será uma das saídas de emergência, também servirá como espaço para apresentações menores e externas.
“Ele vai servir como um espaço de cultura também. Um minipalco, onde pode ter um sarau, por exemplo. É um ambiente pequeno, então serve mais como um pré-momento antes do espetáculo também. E ele não pode ter muitos obstáculos por ser um rota de fuga”, explicou.
O Teatro Sandoval Wanderley começou a ser construído no fim dos anos 1950, tendo sido inaugurado em 1962. Ao voltar ao cenário, ele se torna o segundo mais antigo em atividade na capital potiguar, mais novo apenas que o Teatro Alberto Maranhão, que é de 1904. Ser considerado, no entanto, o segundo espaço de teatro construído em Natal, no entanto, é mais difícil definir.
“É muito complicado porque nós tivemos uma série de outros espaços que também serviam como espaço de apresentação teatral, inclusive os nossos cinemas. O Alberto Maranhão, por exemplo, foi cinema. Nós tivemos apresentações teatrais no Cinema Rex por exemplo”, explicou o historiador Henrique Lucena.
“Mas facilmente nós podemos dizer que é um dos espaços teatrais mais significativos, mais importantes da cidade”, reforçou.
O teatro recebeu esse nome em homenagem ao poeta, jornalista, escritor, ator, dramaturgo e diretor de teatro assuense Sandoval Wanderley, que fundou grupos como o Conjunto Teatral Potiguar (1941) e o Teatro de Amadores de Natal.
“Na cidade, Sandoval tem um papel fundamental na construção do teatro potiguar. Mas, sobretudo, a partir de críticas políticas, sociais, que educassem as pessoas da cidade nessa perspectiva de orientação política”, pontuou o historiador.
O fato de estar no Alecrim – um dos corações de Natal e até hoje um dos principais pontos comerciais da cidade – tem relação com o que o teatro se propunha naquela época, já que o Alberto Maranhão era mais frequentado pela elite da cidade.
“Ele foi pensado exatamente para uma militância, para uma população mais pobre. Como o Alecrim tanto era um bairro mais comercial, como residencial para pessoas mais carentes, mais precárias, então o teatro foi pensado lógica de Djalma Maranhão, e dos prefeitos subsequentes, como uma forma de agregar essas pessoas a uma nova forma de arte, que só tinha acesso a elite da elite da elite no Teatro Alberto Maranhão”, explicou o historiador.
A ocupação do teatro Sandoval Wanderley pela população operária – pensada há mais de 60 anos – parece se repetir durante a obra que busca recolocar o espaço no cenário potiguar mais de uma década depois do fechamento.
“Muitos dos operários que estão trabalhando aqui falam que quando tiver terminado a obra querem acompanhar uma apresentação, que eles nunca vieram a esse teatro”, conta o diretor do Sandoval Wanderley, Lenilton Teixeira.
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