Teste de Covid em Unidade Básica de Saúde (UBS) na Zona Sul de São Paulo.  — Foto: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

O estado de São Paulo notificou, em janeiro, proporcionalmente menos casos novos de Covid-19 do que fazia antes do apagão de dados do Ministério da Saúde. O mesmo não ocorreu com outros estados populosos. A queda na proporção dá indícios de que os dados divulgados atualmente pelo estado não mostram todos os casos de Covid registrados nos sistemas do SUS.

O único outro estado em que a mesma divergência foi verificada, entre os seis mais populosos é a Bahia, que admitiu problemas na extração de dados dos sistemas do Ministério da Saúde em seu último boletim epidemiológico.

Desde o início da pandemia até o dia 10 de dezembro de 2021 – data do início do apagão de dados do Ministério da Saúde -, o estado de São Paulo teve 4,4 milhões de casos confirmados de Covid, o que representa 20% do total do país no mesmo período (22,1 milhões). O percentual de casos corresponde ao percentual total da população do estado em relação à população do país, que também é de 20%.

Já no período de 11 de dezembro de 2021 até esta quarta-feira (12), o estado de SP só notificou 33.347 novos casos, o que representa 6,3% do total de 532.943 registrado no país.

De acordo com o pesquisador Márcio Bittencourt, mestre em saúde pública e professor da Universidade de Pittsburgh, a queda abrupta na proporção do estado de São Paulo dentro do total de casos levanta suspeitas de problemas nos dados. Para ele, o aumento nas internações mostra que os casos do governo estão abaixo do número real.

Para Paulo Inácio Prado, pesquisador do Observatório Covid-BR e do Instituto de Biologia da USP, a mudança na proporção de casos em SP “é um forte indício de um problema na consolidação dos dados feita pelo estado”.

“É muito grave que os dados oficiais do estado mais populoso do Brasil levantem esta dúvida, sem uma explicação ainda”, disse Prado.

“Outra explicação seria termos muito menos casos em SP do que nos demais [estados] mas, na atual onda causada pela ômicron, isso não é razoável. Por fim, poderíamos ter algum problema na notificação de casos pelos municípios, mas os dados públicos da capital mostram que isso não está acontecendo, e que também que é possível corrigir o problema de compilação dos dados”, completou.

Especialistas acreditam que a alta propagação da variante ômicron ainda não foi traduzida completamente nos números de novos casos. Por isso, o consórcio de veículos de imprensa passou a adotar a expressão “novos casos conhecidos”. Além disso, para conhecer o número real de casos no país, seria necessário testar muito mais. Entretanto, a proporção de casos de cada estado costuma se manter similar à população de cada local.

Embora a Secretaria Estadual da Saúde afirme que não há mais problemas na extração dos dados, também há uma divergência entre os valores divulgados pelo estado e pela capital paulista, conforme revelado pelo portal g1 na terça-feira (11).

Outros indicadores como aumento de internações, filas de espera em hospitais e alta procura de testes de Covid também indicam que o estado enfrenta uma nova explosão da contaminação.

O governador João Doria (PSDB) divulgou novas restrições na quarta-feira (12) para eventos musicais, festas e jogos de futebol, que agora devem ocorrer com 70% do público e mediante comprovante de vacinação. O governo usou o aumento no número de internados para defender as novas medidas.

Estados mais populosos

O g1 comparou o valor de casos divulgados pelos seis maiores estados brasileiros no período de 11 de dezembro de 2021 até quarta-feira (12).

Mesmo com população inferior, Minas Gerais (80.606), Rio de Janeiro (59.847), Paraná (67.258) e Rio Grande do Sul (56.828) superaram o total de casos de São Paulo.

Casos de Covid notificados pelos estados

LocalidadeCasos até 10/12/2021 (antes do apagão)Casos de 11/12/2021 a 12/01/2022 (após apagão)Proporção de casos antesProporção de casos depois% da população
Brasil22182820532943100%100%100%
São Paulo44495523334720%6%20%
Minas Gerais22143568060610%15%10%
Rio de Janeiro1349461598476%11%8%
Bahia1264804169336%3%7%
Paraná1580652672587%13%5%
Rio Grande do Sul1498576568287%11%5%

Apenas a Bahia (16.933) também apresentou proporção menor de casos em relação ao período anterior ao apagão. No entanto, a secretaria do estado informou, em seu último boletim epidemiológico, que a extração de dados ainda pode estar prejudicada por conta do apagão.

Já a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo afirmou ao g1 no dia 4 de janeiro que o problema de extração foi superado desde o dia 1º de janeiro. Em entrevista à TV Globo nesta quinta-feira (13), a diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do estado voltou a afirmar que o problema foi resolvido.

“Já retornamos com a extração de dados, o Ministério já nos forneceu acesso via API, então neste momento, estamos, sim, conseguindo extrair os dados. Mas terá um ‘delay’ (atraso), porque os municípios ficaram um tempo sem conseguir inserir esses casos nos sistemas de informação. Então, aos poucos, as secretarias municipais estão inserindo as informações nos sistemas”, disse Tatiana Lang.

No entanto, a Prefeitura de São Paulo, que representa a maioria dos casos do estado, afirmou que conseguiu inserir todos os dados do período do apagão. Utilizando o mesmo critério adotado pelo estado, a cidade já contabiliza mais casos sozinha do que a gestão estadual informou para o estado inteiro.

Na mesma entrevista à TV Globo, Lang afirmou que a diferença aconteceu porque o município fez uma alteração na classificação dos casos o sistema, e que a gestão municipal não segue o padrão utilizado pelo Ministério da Saúde. A versão é diferente do que havia sido informado pela secretaria na segunda-feira (10), que alegou duplicidade nos registros.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo rebateu o estado e afirmou que os dados estão corretos.

“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), informa que os dados de extração e notificação dos dados de Covid-19 na capital considera, em casos confirmados para Covid-19, todos os diagnósticos: laboratorial, clínico-epidemiológico, clínico e clínico-imagem. A SMS informa que utiliza um script para o processamento dos dados epidemiológicos que realiza a reclassificação dos casos utilizando os critérios e definições preconizados pelo Ministério da Saúde”, disse.

A análise feita pelo g1 comparando os dados brutos disponibilizados pela prefeitura e pelo governo do estado também utilizou os mesmo critérios de classificação final de casos do Ministério da Saúde e, mesmo assim, houve a discrepância.

Estado X prefeitura

A Prefeitura de São Paulo contabilizou em janeiro mais casos de Covid-19 do que os divulgados pela secretaria da Saúde para todo o estado de São Paulo no mesmo período. A discrepância indica que as informações para acompanhamento da pandemia ainda estão prejudicadas pelo apagão nos sistemas do Ministério da Saúde, porque os dados do estado deveriam superar os registrados apenas na capital.

A comparação foi feita pelo g1 utilizando dados dos sistemas Sivep-Gripe e e-SUS Notifica, de acordo com a extração disponibilizada nos sites oficiais da Secretaria Municipal de Saúde da capital e da Secretaria Estadual de Saúde do estado.

Entre os dias 1 e 12 de janeiro, o município de São Paulo notificou 50.675 casos com confirmação laboratorial para Covid-19. Já o governo do estado de São Paulo teve 26.945 casos notificados, em todo o estado, no mesmo período, segundo tabela da secretaria da Saúde, que utiliza os mesmos sistemas que a prefeitura da capital utiliza.

Pesquisadores afirmam que as autoridades precisam esclarecer a razão de a capital ter quase o dobro dos registros do estado inteiro, uma vez que os números são registrados nas mesmas plataformas.

De acordo com o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do programa Infogripe na Fiocruz, a divergência dá indícios de que os números reais da pandemia ainda não estão sendo divulgados corretamente. O problema pode ocorrer por falhas na extração decorrentes de erros no sistema do Ministério da Saúde.

Especialistas cobram explicação

Pesquisadores que acompanham os dados da pandemia no Brasil afirmaram que a divergência entre os dados da capital paulista e do estado é preocupante e deve ser esclarecida pelos órgãos.

Para Marcelo Gomes, coordenador do programa Infogripe na Fiocruz, os governos – federal, estadual e municipal – precisam ser transparentes em relação aos dados que são divulgados, e comunicar a população quando os números oficiais são afetados por falhas, ainda que elas não sejam sua responsabilidade.

“É preciso um posicionamento claro sobre o porquê ainda temos essa diferença [entre dados extraídos pela capital e pelo estado]. Infelizmente o dado que está sendo disponibilizado contrasta com as colocações dos governos a respeito dos sistemas, de que eles estão normalizados. Tem uma incompatibilidade entre as duas coisas”, completou.

Entenda como é feita a notificação

Os casos e mortes por Covid-19 são contabilizados no Brasil por meio de dois sistemas oficiais geridos pelo Ministério da Saúde: o Sivep-Gripe e o e-SUS Notifica.

  • e-SUS Notifica: contabiliza os casos considerados leves. Ou seja, casos classificados como Síndrome Gripal (SG) – em que a pessoa apresenta sintomas respiratórios, mas não há a necessidade de internação.
  • Sivep-Gripe: contabiliza os casos considerados graves. Ou seja, os classificados como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que necessitam de internação.

 

Até que os dados sejam divulgados nos boletins oficiais, eles seguem o seguinte caminho:

  1. Após o atendimento do paciente, os profissionais de saúde preenchem uma ficha com as informações sobre o caso;
  2. Os dados das fichas são inseridos no computador – pelo próprio profissional de saúde ou pelas secretarias municipais – nos sistemas e-SUS Notifica ou Sivep-Gripe;
  3. A notificação nos sistemas podem ser inseridas com alguns dias de atraso;
  4. As secretarias estaduais acessam, por meio de uma plataforma de gestor, os sistemas do Ministério da Saúde, e extraem os dados referentes às suas cidades;
  5. Na sequência, alguns estados divulgam as informações em formato de boletim; outros disponibilizam também os dados brutos, como no caso de São Paulo;
  6. Algumas prefeituras, como a da capital paulista, também fazem extração própria dos dados referentes às suas cidades;
  7. O Ministério da Saúde faz a extração dos dados de todo o país, e divulga o boletim nacional;
  8. Pesquisadores utilizam os dados brutos, extraídos pelo Ministério da Saúde, para fazer análises próprias sobre o avanço da pandemia. No entanto, eles não têm acesso direto ao sistema de gestor;

Apagão de dados

No dia 10 de dezembro, o Ministério da Saúde afirmou que diversos sistemas do SUS foram invadidos em um ataque hacker. A plataforma em que os usuários podem acessar comprovantes de vacinação ficou fora do ar. Além das informações sobre vacinas, os sistemas de notificação de casos por Covid também ficaram comprometidos.

Nos dias seguintes, houve problemas nas duas pontas: tanto os profissionais de saúde não conseguiam inserir as informações de novos pacientes nos sistemas, quanto não era possível, para as secretarias estaduais, extrair os dados referentes às suas cidades para a divulgação de boletins.

Mesmo quando os sistemas voltaram a funcionar, a constante instabilidade impediu que o problema fosse totalmente solucionado. Boletins voltaram a ser divulgados, mas com dados parciais, que não refletem a realidade.

O apagão começou justamente quando a variante ômicron do coronavírus passou a se disseminar com mais força ao país, também às vésperas das festas de final de ano, em que as reuniões entre pessoas aumentou. Um mês depois, ainda não é possível medir com exatidão a evolução da pandemia.

Outros indicadores, como aumentos de internações, maior procura por testes de Covid e lotação em prontos socorros de pessoas com sintomas gripais apontam para uma explosão de casos da doença, mas especialistas insistem que é extremante grave não contar com o restante dos dados para ajudar na elaboração de políticas públicas.

Fonte: G1

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