O percentual de aprovados em exames que dão o direito de tirar o “diploma” do ensino médio mesmo sem frequentar a escola na idade prevista passou de 14,3%, em 2016, para 36% em 2018. O salto ocorreu dois anos depois de o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ser substituído por uma prova especificamente desenvolvida para esse objetivo: o Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos).
O Encceja foi pensado para candidatas como Maria das Neves, que pisou em uma sala de aula pela primeira vez em 2010, aos 45 anos. Ela tentou em quatro edições do Enem obter os 450 pontos que eram necessários para obter o diploma, mas não teve sucesso. Só conseguiu o certificado quando a prova mudou.
Dados analisados pelo G1 na série “Adultos sem diploma” mostram os motivos para as mudanças e seus efeitos:
Para quem não concluiu o ensino médio no tempo previsto, há duas formas de obter o diploma. A primeira é frequentar o curso de Ensino de Jovens e Adultos (EJA) da rede pública, que tem avaliação presencial dos estudantes concluintes, válida para a emissão do certificado.
Quem não frequenta o EJA tinha a opção, entre 2009 e 2016, de usar o Enem. Mas, desde 2010, uma nota técnica do próprio governo já apontava as dificuldades de usar o Enem com esse fim, indicando que esse candidato acabava “submetido a condições inapropriadas de avaliação”. O Encceja foi então retomado em 2017.
Uma comparação entre os resultados dos dois exames mostra, porém, que o Encceja tem tido procura mais alta de inscritos para pegar a certificação, além de mais candidatos que conseguiram a nota necessária em todas as provas.
Roberto Catelli Junior, coordenador adjunto da ONG Ação Educativa, comparou os dois exames durante sua pesquisa de doutorado e diz que a diferença entre eles é a função principal. “O Enem é uma prova de competição para cursos de alta concorrência”, explicou ele ao G1.
Isso exige que a prova tenha, entre outras características, um número grande de itens para poder classificar os milhões de candidatos em uma escala de proficiência. No Enem, são 45 questões, contra 30 do Encceja, por exemplo, que também tem textos de apoio mais curtos.
“Achar que o Enem pode avaliar duas modalidades bastante distintas, o regular e o EJA, é um erro”, afirmou Timothy Ireland, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenador da Cátedra da Unesco em Educação de Jovens e Adultos.
O próprio Inep, em 2017, considerou a mudança uma melhoria. Em nota, a autarquia do MEC afirmou que o Encceja é um “exame mais adequado”.
Em sua pesquisa de doutorado pela Universidade de São Paulo, Catelli Junior, da Ação Educativa, analisou os dados dos candidatos do Enem 2013 e descobriu que, mesmo entre os candidatos do ensino regular, 62% dos participantes do exame não cumpririam as exigências impostas desde 2012 para pedir a certificação: 450 pontos nas quatro provas objetivas, e pelo menos 500 pontos na redação.
O G1 repetiu a análise com os dados do Enem 2016 e observou que, se o exame fosse obrigatório para todos os 5,8 milhões de participantes daquele ano, 69,8% estariam “reprovados”.
Já o Encceja exige que os estudantes acertem 50% das questões objetivas, e 5 de 10 pontos na prova de redação. Além disso, as provas são aplicadas todas no mesmo dia, de manhã e à tarde.
Segundo o professor Giuliano Rossini, coordenador de projetos sociais do Pueri Domus, as habilidades exigidas nas provas não são muito diferentes da matriz de referência do Enem, mas a abordagem das questões é mais adequada porque leva em conta a realidade do estudante jovem e adulto.
Em 2013, na primeira tentativa, ela foi aprovada em todas as provas, mas, como só estava fazendo como experiência, a professora que a ajudou na inscrição não preencheu o campo pedindo a certificação, então a nota “não serviu para nada”.
No ano seguinte, ela fez as provas mais uma vez e passou mais uma vez em… quase todas elas, com exceção de matemática, por apenas 2 pontos. Em 2015, mais uma tentativa frustrada e, em 2016, ela precisou faltar às provas depois que uma cirurgia lhe deu complicações e um mês de internação.
Há dois anos, quando o Enem deixou de servir para a certificação, a babá então participou do Encceja. Finalmente, em janeiro de 2018, recebeu a notícia que mais esperava: poderia solicitar o certificado de conclusão do ensino médio.
Em fevereiro, o impossível virou realidade, e ela começou seu primeiro semestre na graduação em pedagogia pela FMU, em São Paulo.
Fonte: G1
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