A VIÚVA DO SOL: UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA –
Em diversos e breves artigos, publicados nos jornais de circulação no Estado, alguns aqui neste Blog Ponto de Vista, eu abordei fatos relacionados com a falência do Estado Brasileiro e apontei o contexto político atual, onde a identidade e a dignidade institucionais foram estupradas e o conceito de honra nacional virou uma medíocre babel entre os poderosos da República. É impossível, em qualquer momento da vida nacional, não nos depararmos no vazio em que se tornou o poder, em todos os níveis e esferas e que se reflete no cotidiano da nação. Quando o poder e os poderosos se fecham em seus gabinetes e privilégios para tratarem, a boca miúda, os indefinidos caminhos para o país, reciclando incompetência e inutilidade institucionais, comuns na história republicana, que já não representam os anseios da sociedade, o resultado é um país esfacelado, um governo sem rumo, um parlamento sem personalidade e atolado em denúncias e um judiciário leniente.
É o que vemos. É o que temos.
Um processo de impeachment que se desdobra por dias, meses, numa perversa trama entre as forças poderosas, sem a menor preocupação com o presente do país, já que o futuro nos foi roubado e o poço chegou ao fundo; se é que ainda tem poço e, mais incrédulo ainda, com fundo. Não quero parecer atrevido, mas me espelhar nos noticiários que estarrece o mais “ZEN” dos brasileiros. Um pacto federativo falido torna o quadro ainda mais caótico, mas com um custo calculado na ponta do lápis. Os governos brasileiros jogam dinheiro pela janela, sem critério algum, mas sabem arrecadar, suficiente e eficientemente, tributos que venham financiar a imoralidade que vivemos.
Pagamos muito (e quase tudo que temos) e recebemos pouco (ou nada) de um Estado que apodreceu na incompetência no exercício de suas atribuições e nos desmandos dos recursos públicos e, com as caras mais lambidas, tentam por, em águas mornas, a grave situação que atravessamos e tudo encontra guarida no proselitismo mediocrizado ou nos criminosos meandros que palmilham as relações oficiais. Um pergunta se torna necessária. Para que serve o Estado Brasileiro? Um executivo irresponsável, um legislativo conspirador e um judiciário com os olhos propositalmente vendados, dão mostra do real valor de cada um, apesar da deslealdade com que assalta o cidadão ao extorquir, mediante uma carga tributária autofágica, o dinheiro bastante para vê-los macular a soberania nacional e brincar com a sociedade.
Soberania, desmoralizada; autonomia, lograda; cidadania, roubada. É o resumo do Estado Brasileiro e continuamos a sustentá-lo e aos seus inúmeros braços, nada republicanos e amargamos uma crise ética e moral que a tudo e a todos destrói. Registra o folclore político (ou um dos muitos boatos que ninguém nunca sabe explicar) que em uma suposta reunião com os Estados do cone sul, o diplomata representante do Brasil tentou “empulhar” o representante da Bolívia, questionando-o sobre as razões de manutenção de um Ministério da Marinha, se não tinha mar. O boliviano, calmamente, sabendo da idiotice de ambos, retrucou que pelas mesmas razões que o Brasil mantinha um Ministério da Justiça, se pelas plagas nacionais, não tinha justiça (ou se tinha, estava em falta). Nem contrabandeada do Paraguai. A justiça está diretamente relacionada com a punidade dos criminosos, assim como a impunidade está diretamente relacionada com todas as mazelas nacionais. E são muitas e, pelos registros históricos, negligenciadas no decurso de séculos. Muito bem. De impunidade em impunidade chegamos ao calamitoso quadro da segurança pública. O país virou terra de ninguém. O crime atemoriza o Estado, que se queda à própria incompetência.
A nossa bela e querida Natal, noiva do sol, vive momentos dramáticos. O crime ordenou toque de recolher e aí começa o drama. As autoridades, ungidas por um forçoso senso de responsabilidade e com cenhos franzidos, se apresentam à sociedade com mais temor do que o cidadão, que é atacado, e tratam a selvageria que tomou conta do Elefantinho como algo novo, causado por algum fato superveniente.
Eu gostaria muito de acreditar se o atual governador não tivesse sido eleito com o sonho da segurança pública; que no decurso do seu mandato fosse minimamente eficiente para combater as inúmeras rebeliões de presos ou avaliar seriamente as dificuldades; se não tivéssemos “ontens” marcados por rebeliões, fugas de presídios e outras rotinas no explosivo sistema prisional. Por aqui, presos viraram tatu e fazem túneis mais rápido do que uma empreiteira e sem cobrar por fora, mas para levá-los para fora. As nossas prisões viraram urupemas e as autoridades continuam utilizando-as para cobrir o sol. Resultado: não temos segurança. Nunca tivemos. Quando tem carro, não tem gasolina; quando tem carro e gasolina, não tem pneus; quando tem carro, gasolina e pneus, não tem motoristas; quando tem carro, gasolina, pneus e motoristas, acontece uma greve por não pagarem as horas extras devidas aos policiais civis e militares e, de forma trágica, brincadeira a brincadeira, cenhos em busca de botox, o RN vive à mercê dos humores do crime organizado. O alto comando vira a madrugada em reuniões e os bandidos em ações.
Das reuniões nada mais do que as desculpas conhecidas ou belas frases de efeito; das ações dos bandidos, uma realidade triste e trágica que não se pode negar. E, alguém, com os punhos engomados, tira uma carta da salvação: as forças armadas. Espero que resolva, embora duvide. As forças armadas não são treinadas para a segurança pública urbana. A sua missão constitucional é outra, mas tudo bem, que venha. E quando terminarem a missão especial e voltarem aos quartéis? Se alguém tiver uma esperançosa resposta que termine esse artigo. A tragédia era, é e continuará sendo anunciada. Sinceramente, lamento, mas negar a realidade é hipocrisia. Temos um Estado oneroso e inservível, mas fazer o que se somos nós que escolhemos os detentores do poder e permitimos que, indefinidamente, brinquem com a nossa soberania e nossa autonomia.
Ah, uma ideia súbita. Por que não chamamos o exército de Stédile, afinal, pelas notícias que correm, recebe mais dinheiro do que as forças armadas. É o braço armado do governo? Qual governo? Não entendi e nem quero entender. Vou dormir e sonhar com uma Natal, ainda noiva do sol e amante da lua, em lascivo romance entre as águas do Rio Potengi e do Oceano Atlântico onde, em cenário lúdico e brejeiro, os cidadãos podiam ir e vir em paz e sem medo de serem carbonizados no meio do caminho, que não tem uma pedra, mas tem escombros de uma guerra que vitima a todos.
Eles lamentam, nós morremos.
Adauto José de Carvalho Filho – AFRFB aposentado, pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Consultor de Empresas, Escritor e Poeta.