ARTIGO: Adauto José de Carvalho Filho

MEDALHA DE OURO –

“O brasileiro é uma mistura de esperança e acomodação” (João Cabral de Melo Neto) –

Os ventos olímpicos sacodem o mundo e bilhões de pessoas estão com os olhos postos no Brasil e sua propositada decisão de sediar as Olimpíadas de 2016. Não adianta rediscutir se o custo das olimpíadas cabe no nosso orçamento, se as despesas faraônicas condizem com a realidade de um Estado falido ou se os preços das dezenas de obras decorrentes do evento foram superfaturados ou não, e se deixarão algum legado para a sociedade. A abertura dos jogos é hoje.  É torcer para que tudo funcione e o Brasil não exponha suas mazelas em lugar do brilho olímpico, como acontecido até agora. Tudo fachada, bem a caráter dos nossos governantes. O hospital Miguel Couto reformou uma ala com instalações de primeiro mundo e são reservadas para os participantes olímpicos, enquanto o cidadão continuará a disputar um atendimento precário, no SUS, orgulho nacional, mas o único que pode ter acesso. O exército garante a segurança da Vila Olímpica, tropas são enviadas para garantir a segurança dos locais onde serão disputadas as Olímpiadas, como em Manaus-AM, enquanto o cidadão continua exposto aos riscos de um Estado que nega a sua vocação e vive de desculpas esfarrapadas. Nada contra a segurança das delegações, tudo contra o descaso com que continuará a ser tratada a delegação dos brasileiros desassistidos.

O brasileiro é um povo passional, refém de suas emoções mais autênticas. O futebol é uma dessas paixões. É a nossa passionalidade mais peculiar. Os fracassos são parcimoniosamente recebidos pela enganação nacional. Já não somos o país do futebol e amargamos a possibilidade de não disputarmos a próxima Copa do Mundo, exceto nos meandros do tapetão. Mas, o título olímpico inédito põe tudo em mornos panos e os endeusamentos já começam e os comentadíssimos desastres de Sidney a Londres, a nosso ver, mais que uma frustração nacional, devem ser vistos e revistos como uma grande lição para uma nação que habituou-se a fechar a porta depois de roubada (e como é roubada), para um povo que habituou-se a entregar o seu destino e os seus sonhos à ação de uma minoria, muitas vezes nem representativa, que se torna verdadeira dona de tudo e de todos. Os desastres de Sidney a Londres, talvez seja uma das muitas lições que a vida, sobremodo, em nossa história recente, nos impõe. Uma lição medalha de ouro para um povo que, reconheçamos, habituou-se a se levantar apenas para gritar gol. Talvez, por isso, os gols andem cada vez mais raros. É o alto preço da revelia.

Uma interpretação política para o fato? Sim, uma interpretação política. A política é tudo. E temos que aprendermos a luta no tabuleiro da política, a lutar pela nossa condição de cidadãos brasileiros livres e legítimos. E liberdade não é um dom, é um aprendizado e requer a condição intrínseca de sermos responsáveis pelos destinos nacionais e pelos nossos próprios sonhos de nação. No país do futebol, paixões à parte, o que temos são clubes falidos, reféns de cartolas e vítimas da desonestidade de propósitos de uma minoria, monitorada pelos seus interesses pessoais ou, pior ainda, por interesses desconhecidos. A passionalidade, às vezes, é um mal. As últimas olimpíadas são exemplos. O Brasil é um imenso país e, segundo dizem, composto de muitos países, com realidades divergentes com as quais convivemos parcimoniosamente. O episódio olímpico nos permitiu, apenas, de forma contextual, abstrairmos essas muitas realidades:

  1. a) o país do futebol: idolatrado, endeusado, encastelado, mas com jogadores que já não jogam, mascarados, sem espírito competitivo e sem amor à camisa e à bandeira que representam, preocupados que estão apenas com um carreirismo meteórico, com a riqueza pessoal fácil, com a idolatria nacional. É o país dos que desfrutam.
  2. b) o país do voleibol e do basquetebol: organizado, produtivo, eficiente, fruto de novas gerações que se sucedem com otimismo e idealismo, e que se impôs no mundo esportivo pela competência e competitividade, mas ainda carente quando comparado com a glória de um drible ocasional dado por um dos fenômenos criados pela mídia no futebol brasileiro. O voleibol e o basquetebol mostram que o país tem jeito, basta um pouco de respeito institucional e senso de brasilidade. É o país dos que trabalham.
  3. c) o país dos demais esportes, em especial, o futebol feminino e o atletismo: determinado, perseverante, idealista. E esquecido. Atletas que treinam em terra batida, pés descalços, sem assistência governamental, sem patrocínios milionários, sem os favores da imprensa; atletas que não desistem e que ostentam, com imenso orgulho, a bandeira do seu país, sempre envolta em seus pescoços, mesmo sabendo que não serão notados, fotografados, reconhecidos além do momento da vitória ou da derrota. É o país dos excluídos.

A verdadeira missão do esporte não é a vitória, não é o pódio. O verdadeiro atleta sente o prazer de competir. A medalha é consequência do seu poder de superação de marcas e limites. O futebol brasileiro há muito está decadente, corrupto, refém de uma matilha de cartolas sem qualquer senso de ética profissional ou espírito esportivo, de jogadores sem amor à camisa, imagine espírito olímpico. E não adianta, como ostentação, mostrarmos as camisas de clubes famosos. Os nossos clubes são fachadas mantidas ao sabor do ópio da nossa passionalidade. O futebol é a expressão mais fidedigna do próprio país, corroído e à mercê de um estado paralelo comandado pela sanha da corrupção, do crime organizado, da falta de poder (não de donos), vítima da mais impiedosa concentração de renda, uma desumana exclusão social e a mais generalizada e orquestrada impunidade. É o Brasil que só se levanta para gritar gol e que se contenta nos momentos de extremada derrota, apenas em protestar no saguão do aeroporto no desembarque da seleção ou buscar culpados para as próprias frustrações. Um ato inconsequente de autoflagelação. A culpa é nossa por não valorizarmos a nossa cidadania, por não acreditarmos nos sonhos e entregarmos, cômoda e placidamente, a nossa nacionalidade ao oportunismo predatório de aventureiros ou falsos líderes, de nos satisfazermos com uma sociologia onde o “jeitinho” é padrão e onde o padrão é a falta de probidade e honestidade.

E do latifúndio institucional.

Infelizmente, convivemos com realidades mais duras e catástrofes mais legítimas. No país do futebol (ou dos que desfrutam), o grande time dos excluídos jamais entrou em campo para sentir o prazer de uma emoção nacional. Jamais foi lembrado, jamais foi considerado como preferência nacional. Esta é uma catástrofe real a que assistimos de camarote nas ruas, nas calçadas, nos cruzamentos, nas marquises das cidades brasileiras. Na verdade, nas últimas olimpíadas, como a Rio2016, apenas transpareceu e transparecerá o final de uma história previsível. Não sei se precisamos desesperadamente de medalhas de ouro. Com certeza precisamos de pão, pois o circo sempre esteve armado há décadas. Um grande circo chamado Brasil. Pena que os palhaços, uma verdadeira multidão de palhaços que distrai os muitos picadeiros da vida nacional, com a sátira da própria desgraça e sob o aplauso dos incautos, sejamos nós. É o lado trágico da saga de um povo sempre submisso a uma minoria que, a serviço dos seus próprios interesses, a cada eleição, nos trata como respeitável público. E acreditamos. Sim, ingenuamente, acreditamos como se já não soubéssemos o que vem a seguir no grande espetáculo da enganação nacional.

As Olímpiadas do Rio começaram diferente. O povo nas ruas mostrou ao Brasil e ao mundo que o jogo está marcado e a disputa não será fácil. Aos atletas competirá a busca pelas medalhas; ao cidadão a luta hercúlea para mudar uma República apodrecida, que sobrevive de fatos e oportunismos, como as Olimpíadas, e que sempre serviram de armas de enganação em massa. Mas o recado, mais uma vez foi dado. As manifestações do último domingo, sem a adesão da grande imprensa, mostrou uma nação bem além das arenas, nas ruas lutando por um futuro onde a realização nacional se encontre com os anseios nacionais e sem contrastar com os perversos cenários: econômico, social, educacional, segurança pública, entre tantos, que governos irresponsáveis impuseram a nação e a doutrinaram para o caos. Que mais do que a ardente tocha olímpica, seja acesa, também, a tocha da cidadania, onde o esporte poderá, sem traumas, contribuir para a honra de uma nação e seu povo e que a PAZ não seja confundida com PAES, o protótipo do homem público que vive à mercê das exceções e que se recicla na detestável capacidade de se superar na corrida ao pódio da hipocrisia nacional.

Adauto José de Carvalho Filho – AFRFB aposentado, pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Consultor de Empresas, Escritor e Poeta.

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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