FIGURAS FOLCLÓRICAS DA RIBEIRA (V) –
O filho de Pery Lamartine, que mora nos EUA e que diz gostar do que escrevo, me pergunta se conheci Salviano Gurgel. Conheci, sim, Richard; e era uma grande figura. Mais uma das figuras folclóricas da Ribeira. E de Natal. Sempre de paletó e gravatinha de laço, a única condescendência à Natal do pós-guerra foi encostar o chapéu e a bengala. Todos os seus amigos já haviam adotado os novos hábitos e não mais usavam paletó e gravata.
Amigo de meu pai, todas as manhãs se reunia com ele, mais Henrique Santana, João Rodrigues, Raul Ramalho, José Tinoco, Limarujo, para o papo habitual antes do “expediente”. Fazendeiros, quase todos, a chuva era tema permanente. E se dirigiam até o cais da Tavares de Lyra, para ver as formações de nuvens no Oeste. Por elas, calculavam se ia ou não chover. Num desses momentos, com meu pai, chegaram lá e meu pai comentou: veja, Salviano, pela formação, vem muita chuva por aí. Ao que ele, udenista dos quatro costados, respondeu: nesse país de Getúlio Vargas tudo isso é demagogia.
Tinha uma fazenda, cujo nome mudou para “guarda-chuva”. Perguntei por que. É que a chuva chega até um lado da minha cerca, para, e só vai chover de novo do outro lado, disse. Nome apropriado. Mas, apesar do nome, chovia. Num fim de semana, que lá estava com a mulher, caiu uma daquelas chuvas que não se veem mais; forte, pesada, trovão e relâmpago. Tinha um pequeno açude ao lado da casa, que começou a encher e ameaçar a barreira. A mulher, muito religiosa, começou a rezar diante de um Santuário bem povoado. Sem qualquer efeito. Ele não contou conversa; abriu o Santuário, pegou todos os Santos, distribuiu em cima da barreira e disse bem alto: se não quiserem descer na enxurrada, façam força. A chuva amainou, o perigo passou e os Santos voltaram ao Santuário.
Comentava: você já observou como as coisas de Lucífer são resistentes? Tingui, (planta venenosa), lagartixa, cobra, não estão nem aí para a seca. Já vaca, boi, ovelha, cabra, milho e feijão, que se dizem coisas de Deus, não resistem uma sequinha vagabunda. E concluía: quem é mais forte?
Morava na Jovino Barreto e descia a pé para a Ribeira. Não tinha automóvel e acho que nem sabia dirigir. Fins de semana, pegava uma carona com Alínio Azevedo para ir para a fazenda, que era vizinha a dele. E reclamava que ele corria demais. Alínio trocou de carro, um Mercury moderno e superpotente. Na primeira viagem no carro novo, elogiou: finalmente, você mantem 70 quilômetros por hora. Parabéns. Ao que Alínio retrucou: Salviano, o velocímetro é americano, é em milhas. Pare, pare, que eu quero descer.
Dalton Mello de Andrade – Ex-secretário da Educação do RN