ANTAS –
Não, não é sobre quem vocês estão pensando. Antas foi meu colega no primeiro ano do científico, no Atheneu. Havia feito o famoso art. 91 e entrou na minha turma. Boa figura. Mineiro de boa cepa, marinheiro, servindo na Base Naval, idade uns cinco ou seis anos acima da média de nossa turma, que era em redor de 18 anos, isso em 1946. Vocês podem imaginar quão velho ele está, se ainda estiver vivo.
Simpático, logo se entrosou conosco. Cabeça para um corpo de 1,80, num de 1,60. Pele curtida pelo sol e pelo mar. Não era bonito, mas muito simpático e procurava ser agradável e amigo.
A vida de marinheiro lhe havia dado experiência de vida. Havia viajado muito, conhecia muitos países e também, como tripulante do navio-escola, havia feito aquela viagem de circum-navegação que fazem os cadetes do último ano da Escola Naval. Isso lhe deu uma vivência que, para nós, era uma surpresa. E servia de partida para muitas conversas.
Ele era bom de conversa. Gostava de um papo, era alegre e, claro, sabia das coisas. Estudioso, suas notas eram sempre muito boas, melhores que da maioria de nós, e era muito bom em Matemática. Isso lhe abriu nossas portas, pois sempre quebrava o nosso galho quando tínhamos um problema insolúvel (para nós). Ele resolvia.
Nossa turma era mista, talvez a primeira do Atheneu, ainda no prédio antigo da Jovino Barreto. Belo prédio, totalmente desfigurado quando foi ocupado pela Faculdade de Odontologia. Ainda existia o Atheneu feminino, no prédio que é hoje a Fundação José Augusto e só muito depois se juntaram todos os cursos.
Perto de um terço da nossa turma era feminina. Tínhamos uma colega, charmosa, agradável, bonitona, de bom papo, mas que não estudava muito. E usava nosso Antas como seu patrono. Todos nós tínhamos um “que” por ela, inclusive eu. Ela dava atenção igual a todos e nenhum tratamento especial a nenhum de nós. Inclusive à Antas. Ele me confessou ter um amor enrustido por ela, e pediu segredo. Só agora o revelo. Sou bom de guardar segredo. Tinha um namorado antigo, com quem noivou e casou. Ele já estava feito na vida, era engenheiro e funcionário de uma repartição federal. O conheci pessoalmente. O nome dela e dele estão na ponta da língua. Foi para o Rio e nunca mais tive notícias. Anos depois, soube que havia enviuvado e que viera morar em Natal. Por coincidência, a encontrei num supermercado, nos reconhecemos, e tivemos um longo papo. Nunca mais a encontrei.
Também nunca mais tive noticias de Antas. No final do ano, foi transferido e desapareceu. E por que me lembrei dele agora? É que ele contava que, quando estava de serviço e tinha fome, bebia um ovo cru. Eu gosto de ovo à la coque. Diz a receita que deve ser posto em água fervendo e deixar no mínimo por três minutos e no máximo por quatro. Ontem, minha secretária tirou ovo com menos de três minutos e o trouxe quase cru. Foi como me lembrei de Antas e toda essa lengalenga foi gerada.
Dalton Mello de Andrade – Ex-secretário de Educação do RN