DIOGENES DA CUNHA LIMA

LAMPIÃO E MACBETH? – 

A vastidão, diversidade, sutis revelações da alma humana tornam a obra de William Shakespeare (1564 – 1616) frequente objeto de comparações.

Nas comemorações centenárias, seja lícito comparar com ousadia. Certamente, as dessemelhanças são profundas, mas coincidências existem. O mal é assemelhado.

Sanguinário, devasso, falso, enganador, violento, maldoso. Estas são algumas das qualidades que Malcoln atribui ao rei Macbeth, personagem da tragédia (1606?) de Shakespeare. Poderia ter falado também na sua psicose, inteligência, astúcia, crueldade.

Lampião, Virgulino Ferreira da Silva (1897-1938), teria todas essas qualidades reveladas a partir da sua opção pelo mal. Os dois, bravos e cruéis, têm a ambição por poder e fama.

Macbeth era um capitão do Exército escocês.  O outro requisitou a patente, sagrando-se capitão na presença de padre Cícero Romão Batista. Lampião assinava Cap. Virgulino e fez gravar a expressão em seu anel e aliança de ouro. Ambos tinham fama de bons cavaleiros e eram extremamente supersticiosos. Macbeth incorporou a linguagem das feiticeiras pela qual não seria vencido, ninguém nascido de mulher poderia fazer mal a Macbeth. Invulnerável julgava-se Lampião, acreditando ter o “corpo fechado”. Em sua oração chamada Pedra Cristalina, Lampião recitava: “Salvo fui, salvo sou, salvo serei com a chave do sacrário eu me fecho”. Macbeth seria rei da Escócia, (não o rei de paz que reinou entre 1040 e 1057), o monarca cruel da tragédia literária. Lampião (1898 – 1938), o Rei do Cangaço, foi monarca, móvel em veredas de sua geografia vinte vezes maior que a escocesa, os sertões de sete estados do Nordeste brasileiro.

Otacílio Batista Patriota fez poema, depois transformado em música, versejando: “Virgulino Ferreira, o Lampião / bandoleiro das selvas nordestinas / sem temer o perigo nem ruínas / foi o Rei do Cangaço no Sertão”. E as façanhas desse rei crescem no imaginário popular. Singular coroa, por ele mesmo desenhada, era um chapéu cheio de estrelas, símbolo do seu poder. Assim, consta do Regimento Policial Militar transcrito pelo magistral Frederico Pernambucano de Mello em Guerreiros do sol: “chapéu-de-couro, tipo sertanejo, ornado em alto relevo em suas abas, com seis signos de Salomão; barbicacho de couro, com 46 centímetros de comprimento e ornado em ambos os lados com cinquenta e cinco peças de ouro…”

Já muito se tem dito que a vida imita a arte. O que sinto é que há pontos de convergência entre as vidas, ficção e realidade, e até entre as mortes. Ambos foram decapitados. Com exibição das cabeças cortadas. Nenhum dos dois formou dinastia, nem teve descendência a reinar. As tenebrosas mulheres, Lady Macbeth e Maria Bonita, participaram das maldades, ainda que se relatem episódios em que a nordestina procurava abrandar o coração do seu régulo.

Ninguém tinha amor a Lampião, todos lhe tinham temor, obedeciam ao medo despertado. O nobre cavaleiro Angus fala sobre Macbeth: “Os que estão sob o seu comando movem-se por obediência, e não por amor”. Os dois usavam punhais e facilmente se podia ver punhais em seus sorrisos.

O Rei da Escócia e o rei do Cangaço desejavam ter a fama reconhecida. Ouvi, menino, uma conversa de meu pai com um homem de quem se dizia ter sido do bando de Lampião. Ele negou, dizendo que não era do bando, pertencera a outro grupo, mas fora emprestado ao famoso capitão. Depois de muita insistência do meu pai para saber de alguma característica maior de Virgulino, como, por exemplo, do que ele dizia com frequência; ouvimos isto: “o capitão sempre dizia: eu quero é que ninguém nunca se esqueça de mim”. Nunca ninguém o esquecerá, ainda que a lembrança seja feita em canção, livros, revistas, filmes, estilização da roupa, ou até em publicidade moderna, além dos estudos de patologia social.

Lampião revive Macbeth?

Diogenes da Cunha Lima – Escritor, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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