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VAQUEJADA NORDESTINA – 

A vaquejada continuará a existir por ter raízes profundas na cultura nordestina e por ser patrimônio imaterial do povo brasileiro. Vaqueiro, cavalo e boi são indissociáveis. É também a vaquejada a fonte de renda de milhares de pessoas, de muitas famílias.

A vaquejada é esporte, festa, espetáculo, ritualística, tem forma e é objeto de expressões artísticas e da linguagem. Trata-se de costume que atravessou séculos, tornando-se tradição.

É esporte em que homens e cavalos disputam com os touros velocidade, interação, esperteza. Quando o boi vence a corrida diz-se que é lavrador, que “deu cambão”. Os bois espertos não correm e não são derrubados.

É arte por ser habilidade e técnica. A sua manifestação estética foi imortalizada por Caribé e Portinari, são definitivos os desenhos e xilogravuras de Newton Navarro e do mestre Abraão Batista. Trabalhos de artesãos de excelência como Vitalino, Xico Santeiro ou Luzia Dantas, em barro, é tema da literatura oral centenária e da poesia do cordel.

É festa de alegria comunitária, com dança, música, comidas típicas, premiação.

É espetáculo com apresentação de animais qualificados, exibição de arrojo, destreza, estilo. Para divertir.

Há um ritual a ser seguido, um código de conduta e honra, são rígidas as regras de proteção aos animais. Assim, o cavaleiro não pode tocar no corpo do boi, nem ferir o cavalo. Há proteção especial para o rabo do boi. Veterinários dá total assistência.

A vaquejada é o único esporte de grande público verde e amarelo. Foi criado no Brasil. É patrimônio nosso, como a tourada é patrimônio histórico da França, de toda Espanha (o Tribunal Constitucional devolveu a Catalunha a corrida de Touros. Em decisão de 19/10/2016) e em 30 municípios portugueses. Uma diferença é que aqui se protege o touro, lá, o touro é ferido, ou morto.

Como outras manifestações culturais, a vaquejada é recriada coletivamente, evoluiu desde as festas de apartação.

A literatura oral e o cordel fazem louvação aos “heróis”, ora o campeão é o cavaleiro, o seu cavalo, ora o boi.

No século XIX, Fabião das Queimadas, escravo, poeta rabequeiro, um sábio analfabeto, fez, maginando, o Romance do Boi Mão de Pau, exaltando um touro “lavrador”. São 40 estrofes (talvez referência a seu nascimento, 1840). Mereceu recriação de Ariano Suassuna e de Antônio Nóbrega.

 Câmara Cascudo, além de “Vaqueiros e Cantadores”, escreveu o ensaio “Vaquejada Nordestina” e quis que eu fizesse um glossário, que anexou. Pediu a Albano Neves e Souza, pintor português, com honras do louvre, que desenhasse uma derrubada. Levei-o a Nova Cruz e Roberto Varela, ao Ceará-Mirim. Voltou com os desenhos que ilustra a obra.

 A vaquejada tem acolhimento em dispositivos constitucionais e em leis por sua relevância histórica, por ser fonte de identidade. Consagra como patrimônio o “portador de referência à identidade, ação, à memória do povo (nordestino), da sociedade brasileira”. Reza o artigo 216 da Constituição Federal.

Uniformemente, a UNESCO, em 1989, recomendou às nações a salvaguarda da cultura tradicional popular. E, na Convenção de 2003, determinou o respeito ao patrimônio imaterial das comunidades e atendimento à diversidade cultural e à criatividade humana. Orienta que nossa a herança, cultural e natural, configura-se insubstituíveis fontes de vida e de inspiração.

O Supremo Tribunal Federal julgou, por maioria de um voto, recentemente, inconstitucional lei do Ceará, reguladora de vaquejada. O decisum não tem condão de proibir a prática esportiva. É preciso, pois, avaliar o sentido e alcance da decisão, e pleitear justiça. A clara finalidade do julgado é evitar maus tratos nos animais (o que todo mundo concorda).

De certo, o STF não vai ordenar a destruição de um patrimônio popular. Os ministros, lúcidos, não serão insensíveis aos bens culturais, nem ao desemprego que mais aprofundaria a desigualdade regional do País.

Do outro lado, pretendendo a eliminação das vaquejadas, estão ambientalistas dogmáticos e ingênuos, que privilegiam o critério de utilidade. Por isso, não consideram maus tratos a usança nos matadouros (uma vez que é matar para comer); nos aviários, o cativeiro vitalício das aves; nas praias a retirada das vísceras dos peixes ainda vivos.

Está na hora de se conscientizar a todos dos direitos de cidadania, entre os quais o de construir para as gerações futuras o que de bom e de útil o nosso povo criou, o que nos anima e dá gosto de viver.

Diogenes da Cunha LimaAdvogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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