O PRIMEIRO AUTOMÓVEL BRASILEIRO –
Da língua grega clássica advém o nome pódion, que significa “pequeno pé” ou “pequena base”, conforme registra o Aurélio. Utilizado na arquitetura para identificar a base sobre a qual são levantadas colunas e pórticos, serve também como designativo de qualquer parte de um ambiente que é posta de destaque, por ser mais elevada que o piso. Nas casas de espetáculo diz-se daquela espécie de pequena plataforma sobre a qual oficia o maestro, para reger uma orquestra.
A adequação latina podium (no original grafado com “v” em lugar do “u”) popularizou-se para muito além dos limites do Lácio, incorporando-se aos mais diversos idiomas, mercê da larga utilização desportiva da elevação em três degraus, com um mais alto, onde são apresentados os três primeiros classificados de uma disputa ou de um campeonato. Estar no podium é a glória; mas melhor mesmo é ocupar o ápice dessa estrutura!
“Assim caminha a humanidade” não é somente título de filme ou de música. É estado de espírito; é sensação de vitória; é status de superioridade; é paradigma de vaidade. Por mais presente que seja a humildade em alguém, há sempre aquele momento em que ele se revela primeiríssimo, mesmo que por ser o campeão da simplicidade. Paradoxal? Sim, mas verdadeiro…
O ânimo da primazia diz presente nos mais inesperados espaços e atividades. Escolhi um setor para mostrar como se desenvolve a luta surda – às vezes nem tanto – para demonstrar quem chegou primeiro: a indústria automotiva brasileira. Pergunte aí qual o primeiro automóvel brasileiro e presencie uma enxurrada de respostas. Uns partirão da literalidade do termo (“aquilo que se move com a sua própria força”) e dirão que foi um veículo Ford, montado em 1919, em um galpão em pleno centro de São Paulo. Outros arguirão que foi o Aero Willys, inteiramente construído com peças e acessórios produzidos no Brasil pela Willys-Overland, prontinho para ser apresentado no Salão de Paris, em 1962, caindo no mercado em 1963. Para embolar jogo, aparece o DKV, marca alemã que por aqui produziu, a partir de 1956, uma espécie de caminhoneta – a DKV-91 (depois chamada Vemaguet) e um jipinho sapeca, o Candango.
Meia verdade (se é que isso existe) para essas afirmações. A verdade inteira – pelo menos para mim… – estará com quem disser que esse laurel fica com o bisonho Romi-Isetta, feito em Santa Bárbara d’Oeste, São Paulo, lançado a 5 de setembro de 1956, pouco antes do DKV-91, pela Indústria Romi S.A., sob licença da italiana Iso Automotoveicoli, que já atuava no ramo dos microcarros desde o fim da Segunda Guerra.
Bichinho feio, o Romi-Isetta foi rejeitado pelo próprio mercado consumidor, que não o entendia como um carro, pasmem! Era uma “coisa” que transportava gente; carro, não, já que tinha somente uma porta, e assim mesmo abria para a frente e o motor ficava de lado! Essa recusa foi seguida pelos estamentos oficiais, que não ofereceram incentivos fiscais, o que implicou na sua reduzidíssimo produção, encerrada em 1961: só três mil unidades.
Muito discreta foi a passagem do Brasil no campo dos minúsculos automóveis, que obedeciam à política industrial do Pós-Guerra tendente a democratizar o uso de carros de baixo custo de aquisição e de pouco consumo. Por isso mesmo o primaz teve existência tão efêmera.
Ivan Lira de Carvalho – Juiz Federal e Professor da UFRN – [email protected]