ARTIGO: Ivan Lira de Carvalho

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O MEDO COMO NEGÓCIO –

Edimburgo, pequena e simpática capital dos escoceses, guarda também um ingrediente cultural que atrai muitos caçadores de novas induções de adrenalina. Esse insumo é o medo, capaz de impulsionar negócios e lucros. Em uma viagem à terra de Adam Smith, conferi como funciona um dos flancos desse esquisito serviço: as caminhadas mal-assombradas, com contação de histórias teatralizadas, unindo habitantes do lugar viciados nesse martírio a turistas espantados (eu, por exemplo…), por duas horas de périplo pelas vielas e labirintos subterrâneos de South Bridge, entre surpreendentes badaladas de sino e gritinhos de horror. A municipalidade entra com o seu contributo e reduz a intensidade da iluminação pública, dando o “clima” para os trabalhos. Um folheto traça um breve perfil dos – digamos – biografados. Anotei bem a história de William Hare e William Burke. Em 1826, o primeiro tinha uma hospedaria onde morava o segundo. Ficaram amigos e bebiam juntos. Certa noite faleceu um hóspede velho e solitário, Donald, deixando dívidas para com o estabelecimento. Burke teve uma ideia, que foi acatada por Hare: simulariam o sepultamento de Donald, mas em verdade venderiam o cadáver para dissecação ao Doutor Robert Knox, professor de um curso isolado de anatomia. Àquela época,  Edimburgo era o maior centro europeu desses estudos e ressentia-se de cadáveres para as aulas práticas.

Como o defunto rendeu uma boa grana, passaram a atrair para a estalagem mendigos, prostitutas e ébrios contumazes, que após embriagados eram assassinados por asfixia e transportadas para os cursos de anatomia ainda fresquinhos e sem elementos de identidade. O fornecimento só parou quando uma hóspede da pensão de Hare morreu misteriosamente e o seu corpo foi visto por outro morador ocultado sob uma cama. Contado o fato à polícia, o rastreamento levou à escola de Knox, onde foi encontrado o que se procurava.  Como o cadáver não tinha sinais de violência, a polícia celebrou um acordo de “delação premiada” com o hoteleiro, através do qual ele confessaria o crime, mas só o comparsa seria enforcado. E foi.
O tour finda em um pub, para o freguês reequilibrar os nervos à base do destilado nacional, sem antes passar na lojinha de souvenires tétricos: réplicas de caveirinhas, cópias de ossos humanos e outras esquisitices.

Não foi um bom negócio para Hare e Burke, mas está sendo para os empreendedores desse bizarro turismo.

Ivan Lira de CarvalhoJuiz Federal e Professor da UFRN

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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