JOSÉ NARCELIO

RESSUSCITARAM A MESÓCLISE –  

Esquecida por mais de meio século, desde que Jânio da Silva Quadros usou e abusou dela, eis que surge a mesóclise, por coincidência, ressuscitada por outro político paulista feito presidente.

Mesóclises são colocações pronominais utilizadas no meio dos verbos, quando os mesmos estiverem nos futuros do presente e do pretérito. Embora a mesóclise seja um recurso gramatical da língua portuguesa, é tratada como um maneirismo vocabular esnobe para a forma de comunicação da modernidade.

Imaginemos alunos de hoje ouvindo professores derramando erudição destilando termos do tipo: “Subsidiar-nos-emos de alguns exemplos…” ou “Falar-lhes-ei de experiências tais como…”, ou ainda “Avaliar-se-á, portanto…”. Ufa! Benzer-me-ei para que tal prática não emplaque.

Nos dois pronunciamentos de Michel Temer, na interinidade, ele deixou escapar exemplos do que serão suas falas na presidência do país: “Como menos fosse, sê-lo-ia pela minha formação…” e “Quando houver equívoco, tem que rever a posição. Se fizer, consertá-lo-ei”. Arre égua! Cá entre nós, aposto um bombom com quem quiser como bajuladores próximos do excelentíssimo presidente em exercício, andam aprimorar-se-ando em como bem colocar mesóclises, apenas para agradar o mandatário da nação.

No modo de falar de Michel Temer transparece um tanto de pedantismo ao lançar mão de mesóclises, mesmo supondo que seja aquela a forma natural dele se expressar. Método diferente de Jânio Quadros, uma vez que o mato-grossense tinha uma maneira graciosa de se comunicar abusando das mesóclises.

Aliás, nada de estranhar o emprego da mesóclise no cotidiano de Jânio, pois como conhecedor profundo da língua-mãe – publicou o Curso Prático da Língua Portuguesa e sua Literatura (1966) -, avocar-se-ia ele o direito de explorar com inteligência e frases de efeito o idioma que dominava.

Dele, contam-se ótimas histórias, além do “Fi-lo porque qui-lo” – apesar dessa frase haver sido atribuída a Jânio, consta que ele não a falou. E se assim houvesse feito, certamente diria: “Fi-lo porque o quis”.

Participando de um debate na disputa pela presidência da República, Jânio foi interrompido pelo outro candidato e ouviu dele: “Pode falar, pois suas palavras entram por um ouvido e saem pelo outro!”. Jânio retrucou: “Mentira! O som não se propaga no vácuo!”. Ao ser interpelado por uma jornalista a respeito de sua opinião sobre os homossexuais, foi chamado de você. Não fez por menos: “Intimidade gera aborrecimentos ou filhos. Como não quero aborrecimentos com a senhora, e muito menos filhos, trate-me por Senhor”.

Quando Luciane Quadros, uma prima distante dele, posou nua para a revista Playboy, membros do PTB, o seu partido, ficaram preocupados com a repercussão do fato na sua campanha para prefeito de São Paulo. Embora ele não tenha se expressado conforme foi divulgado, mesmo assim foi-lhe atribuída a seguinte observação: “Se pudesse comê-la-ia; como não posso, como Eloá”.

Jânio guardou profundo silêncio sobre as razões de sua renúncia à presidência do país. Quando um amigo, no Guarujá, o indagou sobre a incógnita do ato, ele teria dito: “Queres mesmo saber? Di-lo-ei, pois: renunciei, porque a comida do Palácio era uma merda, igual a esta de tua casa”.

Festivais de mesóclises? Aguardá-los-emos, pois, no governo em curso.

José Narcelio Marques Sousa – É engenheiro civil – [email protected]

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