Sobre Clarence Darrow –
Já escrevi aqui sobre grandes juízes e juristas – Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935), Benjamin Nathan Cardozo (1870-1938), Roscoe Pound (1870-1976) e Lon Fuller (1902-1978), entre eles – dos Estados Unidos da América. Pois hoje vou tratar daquele que é o mais célebre advogado militante americano: Clarence Darrow (1857-1938).
Clarence Darrow nasceu no estado americano de Ohio, na pequena comunidade de Kinsman, em 1857, filho de pais ativistas, especialmente do abolicionismo e dos direitos das mulheres, o que certamente influenciou a formação do caráter combativo do futuro advogado. Muito jovem, Darrow cursou direito na University of Michigan Law School e foi admitido na Ordem dos Advogados do seu estado natal, a “Ohio State Bar”, com apenas 21 anos, em 1878. Exerceu a advocacia em pequenas vilas/cidades do seu estado natal (Ohio), Andover, Ashtabula e Youngstown, entre elas. Casou-se. Moveu-se para Chicago, a gigante metrópole do estado do Illinois. Envolveu-se na política com o Partido Democrata. Envolveu-se mais ainda organizando o Partido Populista americano no estado do Illinois. Chegou a ser candidato, embora derrotado, à Casa dos Representantes dos EUA. Em Chicago, entrou na advocacia de vez. E restou assim apelidado o “advogado de Chicago” (às vezes prejorativamente, denotando a tão comum arrogância do “advogado da cidade grande”).
Por curtíssimo tempo, Darrow trabalhou como advogado para a própria municipalidade de Chicago. Em seguida, trabalhou como advogado corporativo para a gigante “Chicago and North Western Transportation Company”. Mas logo ele mudou de lado ou “cruzou a linha”, como mais poeticamente anota Robert Hockett em seu “Little Book of Big Ideas – Law” (livrinho, já muitas vezes aqui referido, publicado pela A & C Black Publishers Ltd. em 2009): Darrow foi ser advogado de sindicatos, de trabalhadores e, acima de tudo, de muitas causas e clientes impopulares América afora.
Já em 1894, Darrow defendeu Eugene Debs (1855-1926), líder sindical de trabalhadores em estradas de ferro, cinco vezes candidato à Presidência dos EUA pelo Partido Socialista americano, na querela judicial que redundou da desastrosa greve “Pullman”, sendo Debs, muito provavelmente, seu primeiro cliente “famoso” (de boa ou má fama, não importa).
No mesmo ano, Darrow representou Patrick Eugene Prendergast (1868-1894), nada menos do que réu confesso do assassinato do prefeito de Chicago, Carter Harrison (1825-1893). Alegou a insanidade do seu cliente. Não obteve sucesso. Seu cliente foi sentenciado à morte e, em decorrência, executado. Esse insucesso, o único desse viés em sua carreira (segundo se diz), fez com que Darrow virasse, para toda a vida, um crítico feroz da pena capital.
Outro caso célebre de Clarence Darrow foi o dos irmãos McNamara, John J. (1876-1941) e James B. (1882-1941), acusados de, em 1910, em meio a uma luta trabalhista/sindical, explodir uma bomba no prédio do Los Angeles Times, o que redundou em dezenas de vítimas fatais. Aqui, já em 1911, ele obteve certo sucesso, entabulando uma confissão que livrou seus clientes da pena capital.
Famosíssimo é também o caso Leopold/Loeb (também apelidado de “O julgamento do século”), de 1924, no qual um Darrow já mais maduro faz a defesa dos “infames” Nathan Freudenthal Leopold Jr. (1904-1971) e Richard Albert Loeb (1905-1936), estudantes da Universidade de Chicago, que, naquele ano (1924), segundo eles mesmos confessaram, assassinaram o garoto Bobby Franks apenas porque queriam cometer um “crime perfeito”. Mais uma vez Darrow conseguiu livrar seus clientes da pena de morte. Aliás, de tão badalado, esse caso foi posteriormente levado à grande tela em filmes como “Festim Diabólico” (“Rope”, de 1948, dirigido por Alfred Hitchcock) e “Estranha compulsão” (“Compulsion”, de 1959, dirigido por Richard Fleischer).
Mas certamente a atuação mais inspiradora de Clarence Darrow se deu no denominado “Julgamento do Macaco” (pelo menos é essa a minha opinião, já que não simpatizo com uma boa parte da clientela do grande advogado de Chicago). Em 1925, Clarence Darrow defendeu John Thomas Scope (1900-1970), professor na pequena cidade de Dayton, no estado americano do Tennesse, criminalmente processado por haver infringido uma lei estadual que proibia o ensinamento da teoria da evolução nas escolas. Do outro lado, na acusação, estava o também célebre William Jennings Bryan (1860-1925), advogado e político norte-americano, que chegou a ser Secretário de Estado dos Estados Unidos da América (1913-1915) e três vezes candidato derrotado à presidência do país (1896, 1900 e 1908). No final, após muitas peripécias jurídicas e retóricas (sobretudo estas), que agitaram todo o país, Scope foi considerado culpado e condenado a uma multa (certamente simbólica) de 100 dólares, sendo esse julgamento posteriormente anulado, por razões processuais, e nunca mais retomado. De tão célebre, o “Julgamento do Macaco” virou livro e foi levado ao teatro e à grande tela inúmeras vezes, sendo que recomendo deveras, para quem se interessar sobre o caso, o filme “O vento será a tua herança” (“Inherit the Wind”), de 1960, dirigido por Stanley Kramer, que é simplesmente fantástico.
A excelência da retórica de Darrow, muitas vezes cínica, é inquestionável. “Num julgamento, só faça uma pergunta se você conhecer a resposta” e “Eu nunca matei um homem, mas li muitos obituários com muito prazer” são algumas de suas tiradas precisas. Mas é necessário registrar que Clarence Darrow, a exemplo do seu papel no denominado “Julgamento do Macaco”, não foi apenas um advogado de assassinos hediondos. Sobretudo mais para o final da vida, Darrow direcionou seu talento para a defesa dos direitos civis dos mais necessitados, em especial de negros americanos, acusados justa ou injustamente. E uma propensão para causas impopulares, sua visão política progressista e a sua admirada eloquência fizeram de Darrow, como registra Robert Hockett (em seu “Little Book of Big Ideas – Law”), uma “lenda ainda em vida”. Recentemente, entre outras homenagens, sua vida virou objeto de um filme para a TV, “Darrow” (1991), em que o célebre advogado de Chicago, que se consagrou na defesa dos desacreditados, é representado por Kevin Spacey. Na verdade, Clarence Darrow é muito provavelmente o advogado real mais citado e representado – de forma elogiosa, na grande maioria das vezes – na literatura, no teatro e no cinema americano, o que, convenhamos, não é pouco. É muito, muitíssimo.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP