O INCIDENTE PARA AS DEMANDAS REPETITIVAS – 

Das novidades trazidas pelo novo CPC, uma das mais badaladas certamente é o incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, regrado nos arts. 976 a 987 desse diploma legal.

O incidente de resolução de demandas repetitivas veio substituir, com uma abrangência bem mais ampla, o antigo incidente de uniformização de jurisprudência, que, previsto nos arts. 476 a 479 do CPC de 1973, era infelizmente pouco usado.

Assim como se dava com seu ancestral, o incidente de resolução de demandas repetitivas revela a preocupação do nosso sistema jurídico (aqui, especificamente, da nossa mais importante lei processual), à semelhança dos sistemas jurídicos da maioria dos países, em dar uniformidade às decisões dentro de um mesmo tribunal e em sua respectiva jurisdição.

Segundo o art. 976 do NCPC, “é cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: I – efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II – risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”. São requisitos, portanto, cumulativos. Registre-se, ademais, que, à luz do § 4º desse artigo, é “incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva”.

A legitimidade e forma de propor o IRDR estão regrados no art. 977 do NCPC, ao afirmar que o pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal: I – pelo juiz ou relator, por ofício; II – pelas partes, por petição; III – pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição”. O ofício ou a petição, obviamente, deverá vir instruído com a documentação necessária à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente (parágrafo único do art. 977). No mais, registre-se que, “se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono” (§ 2º do art. 976).

No que toca à competência, em conformidade com o art. 978 do NCPC, “o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal”. E o mais importante: diferentemente do que se dava com o antigo incidente de uniformização de jurisprudência, à luz do parágrafo único do art. 978 do NPC, “o órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente”. Ou seja, o órgão uniformizador fixará não apenas a tese jurídica, como também julgará a “problemática” como um todo.

É importante registrar que, segundo o art. 979 do NCPC, “a instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça”. Para tanto, “os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro” (§ 1º). E, para possibilitar a futura identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, “o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados” (§ 2º).

O procedimento propriamente dito do incidente de resolução de demandas repetitivas está detalhadamente regulamentado nos arts. 981 a 984 do NCPC, para onde, desde já, por falta de espaço aqui (e por se tratar de detalhes deveras enfadonhos, confesso), remeto o leitor. Faço apenas algumas observações. Primeiramente, registro a possibilidade de intervenção de “amicus curie” no procedimento, consoante o art. 983 do NCPC. Em segundo lugar, registro a possibilidade de realização de audiência pública, oportunidade em que serão ouvidos os depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria debatida (§ 1º do art. 983). Em terceiro lugar, lembro que, à luz do art. 980 do NCPC, IRDR deverá ser julgado “no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus”.

O mais importante para nós, sobretudo numa ótica de crescente valorização dos precedentes vinculantes, é que, por ordem expressa do art. 985 do NCPC, “julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada: I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; II – aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986”. Se porventura não adotada voluntariamente a tese adotada no incidente (o que se espera não ocorra), caberá reclamação (§ 1º).

Antes de terminar, apenas mais duas ligeiras observações: (i) do julgamento do mérito do IRDR caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso (art. 987, caput, do NCPC); e é possível a revisão da tese jurídica firmada no IRDR pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III (art. 986 do NCPC).

Bom, neste pequeno espaço que dispomos, era isso que eu tinha a dizer sobre o tão badalado incidente de resolução de demandas repetitivas.

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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