SERÁ A VEZ DO PARLAMENTARISMO? –
Do alto dos meus 70 carnavais, e correndo o risco de não ser compreendido nestes tempos pós-modernos, no qual tudo é descartável e efêmero, vou falar de alguns fatos históricos que marcaram uma geração; coisas permanentes. Escrevo com saudades, atiçadas pela releitura do texto fácil de José Nêumane Pinto, em seu livro antológico “O Silêncio do delator”, ed. A Girafa. São Paulo, 2004.
O livro fala dos anos inesquecíveis, indeléveis, da década de 1960: quando Paris era uma festa para a resistência política às ditaduras e os movimentos sociais arrastavam multidões. Em que uma nova linguagem expressava o descontentamento e a indignação, em que as superpotências ensaiavam um confronto nuclear, surgia uma vanguarda no cinema, na arquitetura, na música, na literatura, no teatro e nas artes plásticas. Uma inspirada geração de criadores, pensadores, filósofos e intelectuais, desafiava os cânones e se impulsionava para abalar as estruturas estéticas, políticas, conceituais e morais.
Tempo em que eu achava que os sonhos se tornariam realidade e, como fã dos Rolling Stones, sonhava mudar o mundo.
Era o tempo da Guerra Fria, motivada pelo auge do socialismo, com o Vietnã e Cuba impondo dura humilhação aos Estados Unidos. A música de protesto em marcha, os Beatles empunhando a bandeira do pacifismo, 1968 na França e no Brasil, Woodstock e a Liberdade de expressão, o culto ao prazer e às drogas e as palavras de ordem do “Faça amor, não faça guerra”. Cultuavam-se o cinema de Fellini, Truffau, Godard, Glauber Rocha e Buñuel, o teatro de Nelson Rodrigues e Augusto Boal, os grandes festivais de música e a crença na revolução armada, em Che, Fidel e outros camaradas. O homem invade a lua, a bossa nova traz um novo alento à música brasileira; o AI-5, um balde d’água na Liberdade e nas garantias individuais; a censura recrudesce, o mundo em ebulição, o existencialismo em moda, filosofias vicejando em todo o canto, o mundo acreditando numa saída, utópica, mas lindamente viva em nossas mentes e corações.
Os ingredientes desses anos de rebeldia, insubmissão e efervescência estão mapeados no livro de Nêumane, um romance testamentário de quem viveu os legendários últimos anos de um século (século XX) em agonia e desencanto, época de veloz escalonamento de valores, mudança de comportamentos, debates ideológicos e implosão (?) das velhas estruturas de pensamento.
Nêumane saiu-se bem ao fazer o balanço crítico de uma geração, sem cair no lugar-comum, evitando o panfletismo ou o viés sentimental, tão comuns em textos que visam resgatar a história a partir da vivência de quem as conta. Trata-se de um registro sincero sobre um tempo que não se reproduzirá, um tempo em que a consciência se aliava a uma causa e se sabia por que empunhar bandeiras e gritar bem alto, algo de que carecem os que hoje tentam levantar a batuta para comandar a orquestra da história atual.
“O Silêncio do delator” é um formidável referencial para os que querem compreender a recente história do Brasil e do mundo. Uma obra que nos fala do enterro das utopias, a decrepitude dos sonhos, o fim das ilusões e o estabelecimento de uma nova ordem, impondo o reinado do alheamento e da passividade, no qual o mercado é o grande deus, com seu pragmatismo e seus fundamentalistas econômicos em busca do lucro máximo, o que afasta de nós qualquer possibilidade de retorno às utopias.
Para nós, com a memória ainda viva, o futuro é incerto, de uma incerteza profunda, global, inusitada. Para quem foi testemunha ocular dessa paixão, como fui, bate uma saudade danada.
E, em meio aos cacos, a certeza de que está se encerrando um ciclo da história política brasileira.
E de que estamos assistindo ao fim melancólico do Partido dos Trabalhadores, que um dia foi esperança, no Brasil. A ilusão do poder, e a corrupção, matou o PT! Enterrando os sonhos de toda uma geração. Apesar de tudo o que fizemos, não fomos capazes de encontrar a Estrela da Manhã.
Depois do gol Ghiggia, em 1950, e do 7 a 1 da Alemanha, é fundamental que não percamos mais esta Copa dentro de casa.
A vida continua; e a saída para a crise (econômica, política e ética) é – em vez de acreditar em “salvadores da pátria” – um encontro com a realidade. Um novo pacto entre todas as forças vivas da sociedade civil e do Estado; para construção de uma nova Hegemonia pós-PT, com alternância real de Poder, e sem aparelhamento do Estado.
Sem dúvida, é o novo nascendo dentro do velho. Será a vez do Parlamentarismo?
Rinaldo Barros é professor – rb@opinaopolitica.com
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