A mulher é machista, e não sabe –
A conversa de hoje possui uma forte tendência a se tornar polêmica, a partir do título deste artigo. Peço a (o) caro (a) leitor (a) que tenha muita calma e tente ler até o final.
Em nossa cultura, a violência contra a mulher é aceita; e normas não escritas sugerem que a mulher é a própria culpada da violência por ela sofrida, apenas pelo fato de ser mulher.
A origem, o pecado original, é a idéia falsa de que a mulher deve ser, porque sempre foi, um ser inferior, uma subespécie humana, incapaz por natureza, pouco afeita aos fazeres públicos e intelectuais.
Lamentavelmente, este (pré) conceito cultural, construído historicamente, de que a mulher é um ser submisso, paradoxalmente, é assimilado, aceito e reproduzido também pela maioria das pessoas do sexo feminino. Falei “do sexo feminino”.
Aliás, este preconceito somente se tornou de difícil superação porque a maioria esmagadora das mulheres não possui condições de compreender esta contradição: pensa e age como ser submisso.
O outro lado da moeda, o machismo, igualmente é reproduzido – e até fortalecido – pela maioria das mães, tias, vizinhas e professoras; ou seja, aqueles segmentos sociais responsáveis pela educação lato sensu das nossas crianças, em seus primeiros anos de vida.
A reprodução do preconceito começa na escolha das roupinhas do bebê, com ele ainda na barriga da mãe: rosa para as meninas e azul para os novos machinhos. Reproduzem a ideologia machista, dominante.
Logo que nascem, seguem as regras para brinquedos e brincadeiras: os meninos jogam futebol, aprendem lutas marciais, ganham carros, armas e roupas de super-heróis para brincar, coisas de machos que se preparam para dar porrada e impor suas vontades numa vida de aventuras, nas ruas, na esfera pública. As mocinhas em sua maioria, ao contrário, ainda são orientadas para a vida no lar, e ganham presentes de bonecas, produtos de beleza e cozinha, coisas de quem se prepara para uma vida dentro de casa, na esfera da vida privada; seguindo as normas do “bom comportamento”, e pautadas pela opinião da vizinhança.
Ou seja, a violência exercida pelos homens contra as mulheres, no Brasil como em qualquer parte do mundo, é autorizada, sancionada, pela sociedade patriarcal, machista; como um todo.
Sociedade reforçada pelas religiões judaico-cristãs, nas quais a figura feminina é, e sempre foi, uma figura subalterna ou de menor poder, a partir da própria idéia do Pai Salvador (relembro que Nossa Senhora não faz, apenas intercede junto ao seu Filho). Mesma lógica estende-se a sua hierarquia dominada pelo sexo masculino (o Papa, Cardeais, Bispos, Padres, Pastores, Rabinos, Sacerdotes, todos do sexo masculino).
Aqui no patropi, exceção se faça, em respeito à verdade, aos orixás e entidades do Candomblé, Umbanda, e Quimbanda, os quais se referem e incorporam divindades e espíritos dos dois gêneros.
Como livre pensador, ouso sonhar que a “Lei de Deus” deveria permitir que todo ser humano tivesse sempre condições de exercer seu livre arbítrio. Todavia, isso é negado à mulher brasileira. Fazer o quê?
Culturalmente, o espancamento de namoradas, esposas e amantes por seus companheiros é uma questão da vida privada, na qual a sociedade (patriarcal) “não deve intervir”. Não deve meter a colher.
Vale lembrar que somente a partir da Constituição Federal de 1988 – e também do novo Código de Processo Civil, de 2015; não existe mais hierarquia familiar. Juridicamente, no patropi, a mulher não se subordina mais ao homem, “são todos iguais”. Todavia, ainda falta existir a consciência cidadã.
Quantos (as) brasileiros (as) já leram o texto constitucional e o novo Código Civil?
Diante de casos de violência contra mulheres, é comum que os comentários machistas predominem até mesmo sobre a natural rejeição ao ato de agressão. “Alguma ela fez” ou, na melhor das hipóteses, “melhor não tomar partido”. Sem falar nos casos de estupro, quando, freqüentemente, se critica a sensualidade excessiva da dança ou dos trajes das mulheres, responsabilizando-as e “justificando” o estuprador.
Como propriedade do macho, “a mulher é a culpada”. Se reclamar, apanha!
Essas atitudes preconceituosas são exercidas também por profissionais de saúde e policiais, resultando algumas vezes em tratamento inadequado, mas coerente com a cultura predominante.
Resumo da ópera: a mulher, premida por circunstâncias que ela própria ainda não compreende, na maioria das vezes, pensando e agindo como submissa, retira a queixa-crime contra o seu agressor, perdoa-o, e continua a viver com o mesmo e a conviver com sua dor. Como se fora normal ou natural.
Como diz o Chico na canção “Umas e Outras”, “o acaso faz com que se cruzem pela mesma rua olhando-se com a mesma dor”. Até quando?
Rinaldo Barros – É professor – [email protected]