Violante Pimentel
Tomás de Aquino, em italiano Tommaso d’Aquino (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 1274) nasceu no castelo de seu pai, Landulfo de Aquino, que não pertencia ao ramo mais poderoso de sua família e era apenas um miles (“cavaleiro”). Já a mãe, Teodora, era do ramo dos Rossi, da família napolitana dos Caracciolo. Seu nome é uma referência ao condado de Aquino, uma região que foi propriedade de sua família até 1137.
Enquanto o resto da família se dedicou à carreira militar, seus pais pretendiam que Tomás seguisse o exemplo do irmão de Landulfo, Sinibaldo, que era abade do mosteiro beneditino de Monte Cassino, uma carreira perfeitamente normal para o filho mais jovem de uma família nobre do sul da Itália, naquela época.
Tomás de Aquino foi o mais importante proponente clássico da teologia natural. Dele originou-se o TOMISMO, sua filosofia escolástica.
Esse pensamento cristão deve o seu nome às artes ensinadas pelos acadêmicos (escolásticos) nas escolas medievais. Essas artes eram divididas em Trivium (gramática, retórica e dialéctica) e Quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Aquino era conhecido como “Doctor Angelicus“, “Doctor Communis” e “Doctor Universalis“.
Ao contrário de muitas correntes da Igreja, na época, Tomás abraçou diversas ideias de Aristóteles – a quem ele se referia como “o Filósofo” – e tentou sintetizar a filosofia aristotélica com os princípios do cristianismo. As obras mais conhecidas de Tomás são a “Suma Teológica” (em latim: Summa Theologiae) e a “Suma contra os Gentios” (Summa contra Gentiles). Seus comentários sobre as Escrituras e sobre Aristóteles também são parte importante de sua obra literária. Tomás também se distinguiu na composição de hinos sacros, que ainda hoje fazem parte da liturgia da Igreja .
O estudo de suas obras, há muito tempo, tem sido o cerne do programa de estudos obrigatórios para os que buscam as ordens sagradas (como padres e diáconos) e também para os que se dedicam à formação religiosa, em disciplinas como filosofia católica, teologia, história, liturgia e direito canônico. Tomás foi também proclamado Doutor da Igreja, por Pio V, em 1568.
A busca da verdade é tão antiga, quanto o próprio homem. Tomás de Aquino, aos cinco anos, já na escola, perguntava aos frades o que era a verdade. Também queria saber quem era Deus. Mas as respostas que ouvia não correspondiam à ideia que guardava na alma.
Seus pais o matricularam em Monte Cassino, mas depois que o conflito militar, entre o imperador Frederico II e o papa Gregório IX, chegou à abadia no início de 1239, Landulfo e Teodora matricularam o pequeno Tomás no studium generale (a universidade em Nápoles).
Foi, provavelmente, lá que Tomás foi introduzido aos estudos de Aristóteles, Averrois e Maimônides, importantes influências para sua filosofia teológica. Todas as matérias lhe pareciam fáceis demais. Entretanto, nesse período de sua vida, tanto avançou na ciência, como na santidade. Tinha por hábito ajudar aos pobres e rezar em várias Igrejas. Era um adepto da caridade e da esperança.
Seus pais desejavam vê-lo beneditino, abade em Monte Cassino ou Arcebispo de Nápoles. Mas foi na Ordem dos Pregadores, recém fundada por São Domingos, que a vocação lhe tocou a alma. Tomás de Aquino descobriu nos dominicanos o carisma com o qual se identificou. Após longas conversas com Frei João de São Julião, não duvidou em aderir à Ordem, e fez-se dominicano aos catorze anos de idade..
Foi também durante seus estudos em Nápoles, que acabou sob a influência de João de São Juliano, um dominicano empenhado no grande esforço da Ordem dos Pregadores, para recrutar seguidores . Finalmente, aos dezenove anos, Tomás decidiu ingressar naquela Ordem, o que não agradou à sua família. Numa tentativa de impedir que Teodora influenciasse a escolha de Tomás, os dominicanos arranjaram para que ele se mudasse para Roma e, de lá, para Paris. Porém, durante a viagem para Roma, seguindo as instruções de Teodora, seus irmãos o capturaram quando ele bebia num riacho e o levaram de volta.
Tomás ficou preso por cerca de um ano nos castelos da família em Monte San Giovanni e Roccasecca, numa tentativa da mãe, de fazê-lo mudar de ideia.
Preocupações políticas impediram que o papa interviesse em defesa de Tomás, aumentando significativamente o tempo que ficou preso. Durante esse período de provações, Tomás ensinou às suas irmãs e escreveu para seus irmãos dominicanos. Desesperados com a teimosia de Tomás, dois de seus irmãos chegaram ao ponto de contratar uma prostituta para seduzi-lo. De acordo com a lenda, Tomás a expulsou com um ferro em brasa e, durante a noite, dois anjos apareceram para ele, enquanto dormia, para fortalecer sua determinação de permanecer celibatário.
Reconhecendo nesse episódio a intervenção divina, Tomás de Aquino traçou, com o mesmo tição em brasa, uma cruz na parede, ajoelhou-se e renovou sua promessa de castidade.
Em 1244, percebendo que todas as suas tentativas de dissuadir Tomás fracassaram, sua mãe arranjou para que ele escapasse durante uma noite, pela janela. Teodora acreditava que uma fuga secreta da prisão era menos prejudicial que uma rendição aberta aos dominicanos. Tomás seguiu primeiro para Nápoles e, depois, para Roma, onde se encontrou com João de Wildeshausen, o mestre-geral da Ordem dos Pregadores.
Agora, com o consentimento da família, Tomás de Aquino partiu para consolidar sua formação intelectual em Paris e Colônia. Falava-se muito da pregação que fazia o bispo Alberto Magno, em Colônia, o mais conceituado mestre da Ordem dos Pregadores. Tomás de Aquino rezou, pedindo a Deus para conhecê-lo e receber dele as maravilhas da fé. Para sua alegria, foi atendido. O que Alberto Magno não podia imaginar era que aquele frade discreto, cheio de simplicidade e de poucas palavras, tivesse uma envergadura espiritual tão elevada.
Certo dia, caiu nas mãos do mestre Alberto Magno um texto escrito por seu aluno Tomás de Aquino. Admirado com a profundidade do tema, pediu-lhe o mestre que o expusesse à classe toda. O resultado foi uma explanação surpreendente, que deixou os demais alunos perplexos, diante da sublime capacidade do colega. Ele superou o mestre, explicando o assunto com mais clareza e riqueza de detalhes.
Daí em diante, sua vida foi uma sequência de serviços prestados à Teologia e à Filosofia. Aos 22 anos de idade, interpretou com genialidade a obra de Aristóteles; aos 25, juntamente com São Boaventura, obteve o doutorado na Universidade de Paris.
Sua prodigiosa memória lhe permitia reter todas as leituras que fazia, entre elas a Bíblia, as obras dos filósofos antigos e dos Padres da Igreja. Todas as oitenta mil citações contidas em seus escritos brotaram espontaneamente de sua capacidade retentora. Nunca precisou ler duas vezes o mesmo trecho. Ao lhe ser perguntado qual o maior favor sobrenatural que recebera, depois da graça santificante, respondeu: “Creio que o de ter entendido tudo quanto li” .
Em suas obras, há muita força espiritual e uma capacidade de expressão extraordinária. Costumava resolver quatro ou cinco problemas ao mesmo tempo, ditando para diversos escreventes respostas definitivas às questões mais difíceis. Não sucumbiu ao peso de seus conhecimentos. Ao contrário, conseguiu harmonizá-los num maravilhoso conjunto, que tem na Suma Teológica a mais brilhante manifestação. Passava mais tempo aos pés do crucifixo, do que em meio aos livros. A graça que resplandecia em sua alma era impressionante.
A fim de obter luzes para solucionar difíceis problemas, Tomás de Aquino fazia frequentes jejuns e penitências, e recebia revelações celestiais. Esclarecia suas dúvidas, rezando fervorosamente.
Em 1272, Tomás pediu licença da Universidade de Paris, quando os dominicanos de sua província natal o convocaram para fundar um studium general onde quisesse, e com liberdade de empregar nele quem desejasse. Aquino escolheu Nápoles e se mudou para lá, para assumir o posto de regente mestre . Aproveitou essa temporada ali para trabalhar na terceira parte da “Suma”, enquanto dava aulas sobre vários tópicos religiosos. Tomás de Aquino foi surpreendido levitando, aos prantos, pelo sacristão Domenic de Caserta, em 6 de dezembro de 1273, após se demorar um pouco mais na Capela de São Nicolau, no convento dominicano de Nápoles. Encontrava-se em oração, diante de um ícone de Cristo crucificado. De acordo com o relato, Cristo lhe falou: “Escrevestes bem sobre mim, Tomás. Que recompensa esperas pelo teu trabalho?” A resposta foi: “Nada além de ti, Senhor” . Depois dessa conversa, algo mudou, mas Aquino jamais falou ou escreveu sobre o tema. Depois de ver o que viu, abandonou sua rotina e parou de ditar para seu secretário, Reginaldo de Piperno. Quando o secretário lhe pediu que voltasse ao trabalho, respondeu: “Reginaldo, não posso, pois tudo o que escrevi não passa de uma palha para mim” (“mihi videtur ut palea”) . Os católicos acreditam que essa mudança de comportamento de Tomás de Aquino tenha sido fruto da experiência sobrenatural que tivera com Deus. Também costumava recorrer a Jesus Sacramentado. Às vezes, colocava a cabeça no Sacrário e rezava longamente. Assegurou, depois, ter aprendido mais dessa forma, do que em todos os estudos que fizera.
Por seu imenso amor à Eucaristia, compôs, para a festa de Corpus Christi, duas obras-primas: o Pange Lingua e o Lauda Sion. Em 1274, partiu para Lion, a fim de participar do Concílio Ecumênico, convocado pelo Papa Gregório X, mas no caminho adoeceu gravemente. Como não havia nenhuma casa dominicana próxima, foi levado para a abadia cisterciense de Fossanova, onde faleceu a 7 de março, antes de completar cinquenta anos de idade. Suas relíquias foram transportadas para Toulouse, em 28 de janeiro de 1369, data em que a Igreja Católica Universal celebra sua memória.
Ao receber pela última vez a Eucaristia, disse Tomás de Aquino:
“Eu Vos recebo, preço do resgate de minha alma e Viático de minha peregrinação, por cujo amor estudei, vigiei, trabalhei, preguei e ensinei. Tenho escrito tanto, e tão frequentemente tenho discutido sobre os mistérios da vossa Lei, ó meu Deus; sabeis que nada desejei ensinar que não tivesse aprendido de Vós. Se o que escrevi é verdade, aceitai-o como uma homenagem à vossa infinita majestade; se falso, perdoai a minha ignorância. Consagro tudo o que fiz e o submeto ao infalível julgamento da vossa Santa Igreja Romana, na obediência à qual estou prestes a partir desta vida.”
Cinquenta anos depois de sua morte, em 18 de julho de 1323, o Papa João XXII declarou Tomás de Aquino santo. Na cerimônia de canonização, o Papa afirmou: “Tomás, sozinho, iluminou a Igreja mais do que todos os outros doutores. Tantos são os milagres que fez, quantas as questões que resolveu”.
No Concílio de Trento, as três obras de referência postas sobre a mesa da assembleia foram: a Bíblia, os Atos Pontificais e a Suma Teológica. Da fé extraordinariamente vigorosa de São Tomás de Aquino, brotava a convicção profunda de que a Verdade, em essência, não é senão o próprio Deus.
Violante Pimentel – Escritora
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